por Amador Ribeiro Neto
Dando prosseguimento às colunas sobre o Prêmio Oceanos 2015, hoje começamos a comentar aqueles que consideramos os bons livros semifinalistas.
Neste mesmo espaço teci comentários sobre três livros que me chamaram a atenção tão logo foram lançados. Reafirmo o juízo crítico sobre eles, acrescentando novos comentários.
A flor do gol (São Paulo: Editora Escrituras, 2014), do paraibano Sérgio de Castro Pinto, tematiza, entre outros, o futebol e os bichos. Mas o tema é o menos importante para este poeta. Ele toma o mais corriqueiro acontecimento, o mais óbvio objeto, os mais domésticos animais, e adensa-lhes a cor, a textura, o volume, o som, a imagem. Tudo pelo poder restaurador da linguagem. A linguagem e a metalinguagem são dois procedimentos que ele trata com grande rigor. Sem abrir mão da emoção.
A bem da verdade, a sensibilidade do olhar deste poeta faz o leitor sentir-se dentro do objeto, da situação, do bicho retratado. A palavra é o osso e o tutano desta poesia de estrutura e músculos. Tudo rijo. Porque o poeta não perde tempo com diluições. Nem rarefações. Seu tiro é certo no cerne da palavra.
Sua dedicação à poesia perpassa décadas. Com uma obra concisa, parca, exata, o poeta mantém-se alheio ao oba-oba dos igrejismos literários, ou afins. Mesmo nas redes sociais, atua parcimoniosamente. Talvez, se tivesse uma personalidade exuberante, sua obra teria obtido o reconhecimento midiático a que faz jus. Literariamente ele tem recebido toda atenção e carinho. Da crítica e dos leitores. Isto é bom. Estar entre os semifinalistas é uma ótima oportunidade para que toda sua obra seja divulgada e conhecida por um público mais amplo.
Clio (São Paulo: Biblioteca Azul, 2014), do carioca Marco Lucchesi, é obra escrita em estado de transbordamento lírico. Afirmo isto porque o leitor sente-se inspirado a cada poema. A cada página. Tal como almejava Valéry para o grande poeta.
A singularidade das imagens, o ritmo dos versos e a diagramação da página em branco, entre outros recursos, enredam o leitor numa empreitada de múltiplos gozos. A poesia brota e roça à flor da pele. A poesia brota e roça à flor da mente. Ou seja: o intelecto é premiado pela sensibilidade de formas que informam e seduzem. Ideias em parceria com a imaginação. Palavra e encantamento unidas em tecido inconsútil.
Marco Lucchesi é também tradutor e ensaísta. Além de ficcionista e professor universitário. Assim, tem um convívio bem próximo aos grandes nomes da poesia ocidental e oriental. Talvez isto explique um pouco de sua poesia, que transita de leste a oeste, sempre trilhando os melhores caminhos da mais fina, sublime e delicada lírica.
Estar entre os semifinalistas é dar nova oportunidade de divulgação de sua poesia, toda lindamente produzida. E, em especial, colocar novamente em circulação Clio, um dos grandes livros de sua pena. E de nossa poesia.
Experiências extraordinárias (Londrina: Kan, 2014), do paranaense Rodrigo Garcia Lopes, traz uma poesia cravada em apurado trabalho de linguagem. O poeta está tão à vontade que, até o quase improvável poema de cunho filosófico, ele faz. E com admirável desenvoltura. Poesia e filosofia, sabemos, dificilmente se entendem. Poemas que se dão no campo prioritário das ideias, poucas vezes escapam do didatismo, do panfletarismo ou da empedernida persuasão. Mas Rodrigo Garcia Lopes sabe safar-se destas armadilhas. Ele escreveu um livro em que poemas discursivos, e de dicção coloquial, são colocados ao lado de haicais delicados. Finas peças. Presentes para o leitor mais exigente. Há também, ao lado do bem sucedido coloquialismo, referências eruditas que se mesclam a observações sobre o atroz cotidiano midiático. Tudo na beleza de uma linguagem que se faz cativa nas mãos de um grande mestre da poesia.
Enfim: temos em Sérgio de Castro Pinto, Marco Lucchesi e Rodrigo Garcia Lopes três grandes nomes de nossa poesia de hoje. Não há como não ler com gozo seus livros. Isto é o que, de fato, vale.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 16 de outubro de 2015, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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