por Amador Ribeiro Neto
E aquela velha história de que poesia tem de emocionar? Tem de mudar o mundo para que ele fique mais sustentável? Como fica? Haja pa
ciência para tantos modismos. E haja paciência para tanta emotividade à flor da pele, dos pelos, do coração arfante.
Sejamos claros. Diretos. E, quem sabe, persuasivos. Ôchiii... se a poesia não emociona, não muda o mundo, não cheira e nem fede, então pra que serve? Poesia é pra emocionar. Pra mudar o mundo. Pra desconstruir o status quo.
Mas vamos nos entender: emocionar é sentir, mudar, desconstruir. E isto deve ser feito pela “psiquêcoraçãopensamento”. Em uníssono. Diz Fernando Pessoa: “O que em mim sente está pensando”. É isto. Não é lero-lero de pagodeiros e sertanejos de plantão na porta da casa da poesia.
Poesia nada tem a ver com desejos reprimidos e viagens malucas de seus leitores. Quem quiser ler um poema e sentir falta de ar, leia-o de narinas vedadas.
Falo isto tudo porque dia destes cruzei com Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas (São Paulo, editora Cosac Naify, 2012). Na orelha Carlito Azevedo é enfático na primeira frase: “Angélica consegue criar”. Admiro o poeta Carlito. Ele é dono de belos poemas. Mas tenho de confessar: li o livro de Angélica. Li e reli. E afirmo tão taxativamente quanto ele: “Angélica não consegue criar”.
Sua dita poesia é uma reciclagem da dita poesia marginal. Com os mesmos enganos: ela acha que faz graça. Acha que faz intertextualidade com finalidade poética. Acha que é dona de um estilo. Acha que faz poesia com os clichês do cotidiano. Não faz.
Seus poemas são quase todos macaqueação da prosa com fixação na anáfora. Como se este recurso, que consiste em repetir um termo no início, meio ou fim de dois ou mais versos, garantisse qualidade a um pretenso ritmo que ele sugere.
Até com a anáfora a Angélica barbariza. Repete-a tanto, e em versos tão absurdamente sem eira nem beira, que cansa. Cansa? Melhor dizer: satura.
Já adiantei aqui, em colunas anteriores, que o tema não entra em questão na qualidade estética da poesia. Confirmo. Mas o que Angélica faz é, no mínimo, ingênuo. Ela cismou que basta copiar frases do cotidiano mais trivial para fazer uma poesia sem solenidade. Levantou-se contra o que já era morto. Do Modernismo à Poesia Concreta, o solene foi quebrado pelo sublime. Angélica é desatualizada.
Se não apregoo solenidade em linguagem poética, também não endosso o “trivial simples” como garantia de qualidade.
Esta moça vem sendo louvada pela crítica de norte a sul. Pensei muito antes de escrever sobre seu livro. Tentei ver nela a “esplêndida tradição da poesia universal”, como afirma Carlito. Só vi “tonterías”. Sua poesia não emociona. Não cheira. Nem fede.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 21 de março de 2014, p. 9.
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