sexta-feira, 7 de março de 2014

Poesia brasileira hoje



por Amador Ribeiro Neto

Por que a crítica literária resolveu de uns tempos para cá incensar poetas?  Vamos deixar os prosadores de lado, já que são de outra praia. Por que adular poetas que nada acrescentam ao imaginário e aos sentimentos? Às sensações e à inteligência? E, em  especial, nada ao cuidado estético com a palavra?

Basta ler as quase três centenas de livros de poesia inscritos, por exemplo, nos dois últimos Prêmios Jabuti. O que se constata é que há uma produção restrita de poesia de qualidade. E estes  bons livros, não fosse o Prêmio da Câmara Brasileira do Livro, bem provavelmente estariam no limbo das livrarias. Quando não das próprias editoras que mal os distribuem.

A situação da poesia em nosso país, salvo exceções que confirmam a regra, vai mal, muito mal. Publica-se quase freneticamente. Tanto nas redes sociais, como nos blogues e sites. Além dos livros impressos, uma obsessão de quase todo escritor. Se for novato, o imprima-se é uma questão de honra. Melhor: de existência do poeta.

Nada contra a ampla divulgação de poesia. Claro. O diabo é que a quantidade não tem revelado qualidade, como era de se esperar. Mas vamos ao que interessa.

No Jabuti de 2012 Maria Lúcia Dal Farra arrebatou o primeiro lugar com os devidos méritos de Alumbramentos. Maledicentes dizem que sua poesia não passa de um neoclassicismo. Olho gordo e vesgo desta crítica. A poeta sabe muito bem dialogar a tradição com a contemporaneidade, num entrelaçamento intercódigos admirável. E sua fluência verbal torna objetos não-verbais bem mais palpáveis à percepção do leitor comum, desavisado. E do leitor iniciado pelas academias ou por ser autodidata.

Interessante: no mesmo ano, Curare, livro de poemas épicos de Ricardo Corona não ficou nem entre os dez finalistas. A épica anda mesmo fora de moda. E quando um poeta vai retirá-la dos umbrais a que está relegada por público e crítica, claro que incomoda. E incomoda ainda mais porque não é um resgate puro e simples do épico: ele vem associado a uma pesquisa étnico-indígena que resgata sons e imagens da grafia de uma língua e de uma cultura que insistimos em sufocar. Taba de sons e ritmos. Aldeia de imagens e ideias. Tudo para reciclar sentidos até então sequer presumidos pelos Gonçalves Dias da poesia brasileira.

Ricardo Corona está mais para Sousândrade de Walt Street do que para I-Juca Pirama. Aliás, o canônico poema gonçalviano chega a soar constrangedor diante do experimentalismo bem sucedido de Curare.

Obras digeríveis, que são consumidas como água, escritas ao calor da emoção barata ou da aquiescência desleixada, andam fazendo a cabeça da crítica. E dos leitores. Cabeças ocas, diga-se. E confundindo jurados, que ora votam em Dal Farra, ora votam em Corona. Mas na hora “H” não sabem reconhecer que ambos poetas são muito bons.

Poesia pra valer é pedra de quebrar dente. Quem dá o toque é ninguém menos que João Cabral em seu antológico poema “Catar feijão”. Valéry, anteriormente, já preconizara: o bom do prato está no que é magro.

Sem dúvida, considerável número de “poetas” e de leitores de “poesia” contemporâneos se compraz na redundância cuja taxa de informação é zero ou perto de zero. Uma poesia formada por clichês de clichês. Sem inventividade. Uma poesia que se compraz em repetir o já dito, o esperado, o surrado. E o pior: de forma já feita, vencida, superada.

Nossa “poesia” tem se dado muito mal na ânsia de ser divulgada por todos os modos e meios. O “poeta”, na gana de ser lido, tem ficado na superfície, ao invés de mergulhar nas profundezas do rigor poético. A crítica anda vacilando.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa, Caderno  B, de 28/02/2014, página 2.

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