por Amador Ribeiro Neto
Basta ler as quase três centenas de livros de poesia inscritos, por exemplo, nos dois últimos Prêmios Jabuti. O que se constata é que há uma produção restrita de poesia de qualidade. E estes bons livros, não fosse o Prêmio da Câmara Brasileira do Livro, bem provavelmente estariam no limbo das livrarias. Quando não das próprias editoras que mal os distribuem.
A situação da poesia em nosso país, salvo exceções que confirmam a regra, vai mal, muito mal. Publica-se quase freneticamente. Tanto nas redes sociais, como nos blogues e sites. Além dos livros impressos, uma obsessão de quase todo escritor. Se for novato, o imprima-se é uma questão de honra. Melhor: de existência do poeta.
Nada contra a ampla divulgação de poesia. Claro. O diabo é que a quantidade não tem revelado qualidade, como era de se esperar. Mas vamos ao que interessa.
No Jabuti de 2012 Maria Lúcia Dal Farra arrebatou o primeiro lugar com os devidos méritos de Alumbramentos. Maledicentes dizem que sua poesia não passa de um neoclassicismo. Olho gordo e vesgo desta crítica. A poeta sabe muito bem dialogar a tradição com a contemporaneidade, num entrelaçamento intercódigos admirável. E sua fluência verbal torna objetos não-verbais bem mais palpáveis à percepção do leitor comum, desavisado. E do leitor iniciado pelas academias ou por ser autodidata.
Interessante: no mesmo ano, Curare, livro de poemas épicos de Ricardo Corona não ficou nem entre os dez finalistas. A épica anda mesmo fora de moda. E quando um poeta vai retirá-la dos umbrais a que está relegada por público e crítica, claro que incomoda. E incomoda ainda mais porque não é um resgate puro e simples do épico: ele vem associado a uma pesquisa étnico-indígena que resgata sons e imagens da grafia de uma língua e de uma cultura que insistimos em sufocar. Taba de sons e ritmos. Aldeia de imagens e ideias. Tudo para reciclar sentidos até então sequer presumidos pelos Gonçalves Dias da poesia brasileira.
Ricardo Corona está mais para Sousândrade de Walt Street do que para I-Juca Pirama. Aliás, o canônico poema gonçalviano chega a soar constrangedor diante do experimentalismo bem sucedido de Curare.
Obras digeríveis, que são consumidas como água, escritas ao calor da emoção barata ou da aquiescência desleixada, andam fazendo a cabeça da crítica. E dos leitores. Cabeças ocas, diga-se. E confundindo jurados, que ora votam em Dal Farra, ora votam em Corona. Mas na hora “H” não sabem reconhecer que ambos poetas são muito bons.
Poesia pra valer é pedra de quebrar dente. Quem dá o toque é ninguém menos que João Cabral em seu antológico poema “Catar feijão”. Valéry, anteriormente, já preconizara: o bom do prato está no que é magro.
Sem dúvida, considerável número de “poetas” e de leitores de “poesia” contemporâneos se compraz na redundância cuja taxa de informação é zero ou perto de zero. Uma poesia formada por clichês de clichês. Sem inventividade. Uma poesia que se compraz em repetir o já dito, o esperado, o surrado. E o pior: de forma já feita, vencida, superada.
Nossa “poesia” tem se dado muito mal na ânsia de ser divulgada por todos os modos e meios. O “poeta”, na gana de ser lido, tem ficado na superfície, ao invés de mergulhar nas profundezas do rigor poético. A crítica anda vacilando.
____
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa, Caderno B, de 28/02/2014, página 2.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário