"Em 1974, o diretor alemão Werner Herzog fez O enigma de Kaspar Hauser, baseado num caso ocorrido no século XIX de um homem que foi repentinamente lançado no mundo depois de anos vivendo numa cela. Colocou, no papel principal, Bruno S., músico de rua na vida real que, com os seus tiques estranhos e jeito de falar engraçado, comprovou ser uma escolha inspiarada para o papel. Se Kaspar Hauser parecia ser um retrato indireto de Bruno S., isso é ainda mais verdadeiro em Stroszek, em que ele interpreta um músico de rua e bêbado recém-libertado da prisão. Tendo concluído que a vida na Alemanha era insuportavelmente brutal, junta-se a uma prostituta (Eva Mattes) e a uma figura paterna no limite da loucura (Clemen Scheitz). Juntos, partem rumo a uma nova vida na América, mas vão parar em um não-lugar, vazio e banal. Inevitavelmente terminando sozinho e acuado, Bruno, enfim, encena um gesto elaborado de desespero. A sequência final do filme — envolvendo um elevador de esqui, uma caminhonete e um grupo de animais treinados em uma atração de beira de estrada — é um dos finais mais selvagens e sem perdão jamais colocados em filme.
Os filmes dos anos 70 de Herzog são muitas vezes líricos, imersos no romantismo místico alemão: Stroszek é uma exceção desolada. Essa, contudo, é uma visão brutalmente lúcida do sonho de liberdade: a América é despojada de sua mística, apresentada como um deserto espiritual e uma armadilha para os desavisados. E a imagem final do frango dançando loucamente ao som da cacofonia de um acordeão e de uma cantoria caipira é uma das imagens da condição humana — obsessiva e fora de controle — mais insuportavelmente cruéis que um diretor já apresentou ao público.
O que torna o filme realmente fenomenal, contudo, é a forma como Bruno S. domina a tela, com seu encanto indomável e vigor. Apesar do papel de um perene tolo sagrado, ele personifica uma das inteligências mais distintamente estranhas do cinema moderno. Por causa da sua abordagem naturalista e do tema em tom menor, Stroszek é menos famoso do que as grandes loucuras visionárias de Herzog dos anos 70, mas está entre os seus melhores filmes e certamente é um dos dramas mais frios já realizados sobre os sonhos europeus do que seja a América."
Alemanha (Skellig, Werner Herozg, ZDF) 108 minutos. Cor; idiomas: inglês / alemão; direção e roteiro: Werner Herzog; fotografia: Stefano Guidi, Wolfgang Knigge, Edward Lachman, Thomas Mauch; música: Chet Atkins, Sonny Terry; elenco: Pit Bedewitz, Burkhard Driest, Alfred Edel, Michael Gahr, Eva Mattes, Scott McKain, Ely Rodriguez, Bruno S., Clemens Scheitz, Clayton Szalpinski, Yuecsel Topcuguerler, Vaclav Vojta, Wihelm von Homburg, Ralph Wade.
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Jonathan Rommey, no livro 1001 filmes para ver antes de morrer (Editora Sextante, 2008).
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