segunda-feira, 5 de novembro de 2012

'Fazer o seco, fazer o úmido', poema de João Cabral de Melo Neto

Embalado pra viagem # 81

Fazer o seco, fazer o úmido

A gente de uma capital entre mangues,
gente de pavio e de alma encharcada,
se acolhe sob uma música tão resseca
que vai ao timbre de punhal, navalha.
Talvez o metal sem húmus dessa música,
ácido e elétrico, pedernal de isqueiro,
lhe dê uma chispa capaz de tocar fogo
na molhada alma pavio, molhada mesmo.

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A gente de uma Caatinga entre secas,
entre datas de seca e seca entre datas,
se acolhe sob uma música tão líquida
que bem poderia executar-se com água.
Talvez as gotas úmidas dessa música
que a gente dali faz chover de violas,
umedeçam, e senão com a água da água,
com a convivência da água, langorosa.
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João Cabral de Melo Neto, em A educação pela pedra (1962-1965).
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