segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Conhecendo Carrière



por Ailton Jesus

Fazer parte do grupo Sétima é ser apresentado constantemente a grandes nomes do cinema e o deste ano foi Jean-Claude Carrière, autor de A linguagem secreta do cinema (1994), atual alvo dos estudos do grupo. Num primeiro momento a sensação é o impulso em bater à sua porta e lhe dizer que reconheço sua importância na história do cinema, mas pedir desculpas por só ter ouvido falar nele tão recentemente. Porém, o próprio já alivia meu peso quando diz em entrevista “se quiser fama, uma linda estátua feita de você, não seja roteirista. O escritor desaparece. Ele trabalha na escuridão” (1).

Pois bem, nascido em 19 de setembro de 1931 em Colombières-sur-Orb, um vilarejo no sul da França com 500 habitantes, filho de fazendeiros, Jean-Claude Carrière é escritor de livros e filmes, além de já ter também dirigido e atuado.

Na casa onde nasceu os únicos livros que haviam eram missais de sua mãe, e, por conta de seu interesse pela leitura, livros que ganhou como prêmio, de presente, e livros escolares. As imagens dos quadrinhos Tintin e Milu eram sua porta para o mundo além das montanhas que rodeiam o vilarejo.

Viu alguns filmes franceses no cinema quando pequeno, porém foram os alemães Os Nibelungos – A Morte de Siegfried (1924) e Metrópolis (1927), de Fritz Lang, que assistiu no colégio interno católico próximo a seu vilarejo, onde estudou durante a Segunda Guerra Mundial, que chamaram a sua atenção. De Metrópolis, duas imagens lhe marcaram profundamente: primeiro que ele não sabia o que era uma cidade, o que para uma criança de um pequeno vilarejo era o mesmo que uma lenda; a segunda era a imagem da mulher, que para ele também era um mistério, razão de, por muito tempo, ter acreditado que a diferença entre homens e mulheres é que elas carregavam camadas de metal por debaixo da pele.

Aos 14 anos a família se mudou para Paris, onde abriram um café e ele terminou o segundo grau, seguindo para o curso de História na École normale supérieure de Fontenay-Saint-Cloud em Lyon.

Foi ainda na universidade que escreveu seu primeiro livro, Lézard, publicado em 1957. Daí seu editor lhe fez a proposta de participar de uma competição para escrever um livro dos filmes As férias do Sr. Hulot (1953) e Meu Tio (1958, até então em filmagem) de Jacques Tati, e o próprio Tati escolheu Carrière para o trabalho. Em sua primeira reunião com Tati, o cineasta lhe perguntou se sabia algo sobre «fazer cinema» e ele respondeu que nada além de ser frequentador assíduo das salas de cinema. Então, Tati chamou Suzanne Baron, editora de seus filmes, e disse Suzanne, pegue esse jovem e mostre a ele o que é fazer cinema”. Assim ela fez, levando-o para a sala de edição (2).

Sob a guarda de Tati ele começa a observar a vida em busca de novas histórias, acompanha o dia-a-dia de sets de filmagem e conhece Pierre Étaix, assistente do diretor. Carrière e Étaix iniciam uma parceria, compartilhando roteiro e direção de dois curtas, Rupture (1961) e Heureux Anniversaire (1962), que ganhou o Oscar de melhor curta-metragem. Os dois ainda fizeram outros filmes juntos nos anos 1960, e ao longo dos anos, Carrière ainda fez – e faz – muitas parcerias (3). Cineastas como Milos Forman, Louis Malle, Volker Schlöndorff, Andrzej Wajda e Jean-Luc Godard fazem parte dessa lista, porém a mais famosa delas é sua parceria com Luis Buñuel (4).

Buñuel e Carrière produziram seis clássicos, mas ressalto aqui os dois que tive oportunidade de conhecer: A Bela da Tarde (1967), tendo Catherine Deneuve como uma mulher da alta sociedade que passa suas tardes a se prostituir e que vez ou outra se perde em devaneios e desejos sexuais; e O Discreto Charme da Burguesia (1972), filme vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro e indicado ao de melhor roteiro, onde um grupo de amigos tenta constantemente fazer uma refeição juntos.

Uma enorme quantidade de roteiros levados à tela, seja em cinema ou televisão – 145 segundo o IMDB! – carregam sua assinatura. Jean-Claude Carrière não para. Em maio deste ano foi lançado filme escrito por ele e dirigido por Philippe Garrel, L'amant d'un jour, e já tem mais um com produção anunciada. É quase impossível conseguir acompanhar já que tenho “apenas” algumas décadas de atraso! Por isso, paro por aqui e vou logo assistir Salve-se quem puder (1980), parceria Carrière, Godard e Anne-Marie Miéville.

Notas:
1. Jean-Claude Carrière: 'If you want fame, don't be a screenwriter' (Jean-Claude Carrière: ‘Se quiser fama, não seja um roteirista’), entrevista realizada por Ryan Gilbey e publicada no site The Guardian em 28 de junho de 2012.
2. Entrevista em vídeo realizada por Andrzej Wolski em janeiro de 2010 para o site Web of Stories.
3. Artigo Jean-Claude Carrière’s Collaborations (As colaborações de Jean-Claude Carrière) publicado no site The Criterion Collection em 19 de setembro de 2016.
4. Interview with Jean-Claude Carriéré (Entrevista com Jean-Claude Carrière), entrevista realizada por Mikael Colville-Andersen em 26 de outubro de 1999 e publicada no site Zakka.
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Ailton Jesus: formado em Engenharia de Materiais pela UFCA. Por obra do destino também é ator, quando sobra tempo, músico, e usa o cinema como ferramenta de autoconhecimento.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 41, de dezembro de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
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- Diante do meu amor pelo cinema
- O absurdo nosso de cada dia: as mulheres na Mostra 21 de 2017
- Meu romance com o cinema ou não era cilada, era amor
- Uma história: aniversário dos cinco anos do Grupo de Estudos Sétima de Cinema
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