quinta-feira, 20 de junho de 2013

Ó Raimundão ali, gente!

por Hudson Jorge | ilustração Reginaldo Farias

Era um dia qualquer na vida de Raimundão. Aproveitou a tarde ensolarada para sacar seu suado dinheirinho nuns bancos da cidade que ele prefeitura a bigode de ferro.  Como Raimundão não sabe o que é internet e seus assessores talvez não o tenham assessorado, sem saber que uma massa indignada descia a rua São Pedro com faixas, cartazes e gritos de “Fora Raimundão!”, ele caminhava tranquilamente pelo centro da cidade, quando ouviu o estrondar dos gritos da juventude, dos professores e dos indignados com as mazelas existentes na terra do Padim Ciço. Os manifestantes desciam a principal via da cidade, quando, de repente avistaram o alvo dos protestos esgueirando-se pelos postes e fachadas dos prédios como um rato.

De repente um grito na multidão:

"Ó o Raimundão ali, gente!"

Nessa hora, a multidão estimada em 10 mil pessoas desceu em povorosa em direção ao local onde estava o Raimundão. No susto, o póbi marcou carreira e entrou, já derrapando, pela porta principal da agência do Banco Brasil! A multidão o cercou lá dentro.

Raimundão estava acuado e suando frio pelo medo e pela corrida. O medo foi tão grande, mas tão grande, que ele ligou pra casa pedindo calças limpas, pois achava que uma tira de merda tinha escorrido pela barra de suas calças.

Procurou se tranquilizar. Por alguns instantes, chegou a achar que aquilo seria apenas fogo de palha. Afinal, Juazeiro do Norte nunca tinha visto uma manifestação tão legítima e cheia de cobranças com tanta gente reunida. Tentando se confortar pensou que logo, logo as pessoas voltariam para suas casas para assistir à novela das 7.

A grande maioria foi embora, restando apenas uns poucos 500 manifestantes que impediram a saída do senhor dos bigodes de ferro do banco. Queriam que ele fosse para fora para ouvir suas reivindicações. Aos poucos, a polícia foi chegando para proteger a estrutura física do banco e garantir a integridade física do prefeito. Não ia poder fazer mais nada pela integridade moral, perdida já há muito tempo.

Algumas horas depois de estar encurralado, suando em bicas apesar do ar condicionado, Raimundão já não aguentava mais seus sapatos lhe apertando os pés e a consciência. Folgou as enfias... mais tarde, os retirou por completo. Dizia para um de seus assessores que precisava desapertar. Logo em seguida, desabotoou a camisa, afrouxou o cinto e por aí foi.

Imediatamente, algumas pessoas, pensando no seu bem estar, ofereceram-lhe água, petiscos e uma TV de Led que foi recusada de imediato, pois não sabia usar o controle remoto. “Purum acauso, cês num tem aí uma daquelas de butão?”. Rapidamente, conseguiram-lhe uma não se sabe de onde.

Vestido apenas de samba canção, o prefeito de Juazeiro do Norte, acompanhou os flashes ao vivo na TV bem acomodado, esperando que a população se cansasse.

Esperanças perdidas! Todos continuavam a esperá-lo, clamando por sua presença. Umas seis horas depois, já perto da meia-noite, um mensageiro propôs uma negociação. Delongas a parte, chegaram ao consenso de enviar uma comissão formada por 10 pessoas.

Enquanto a comissão era formada, sem motivo algum, eis que, assim do nada, o spray de pimenta tomou conta do ar.  Adolescentes, jovens, pais de família, senhoras e senhores de idade foram atacados com uma rajada de gás que rasgava a garganta e fazia arder os olhos. A reação foi imediata por parte de alguns que jogaram garrafas de plástico e bolinhas de papel nos agressores: policiais militares e soldinhos de chumbo, vulgos guarda municipais que atacaram mais uma vez os manifestantes utilizando de uma força desproporcional. Enquanto alguns gritavam para não revidar com violência, o cassetete cantava nas costas de um professor, de um artista e de um estudante que, assim como os outros, clamavam por dias melhores.

Do lado de lá, num golpe de oportunismo, sorrateiramente, o rato de bigodes de ferro saiu escoltado com o rabo por entre as pernas até um camburão da polícia militar. Fugiu, reza a lenda, para o Juaforró.


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