O Berro nas antas # 13Reproduzimos aqui uma entrevista que a equipe d'O Berro fez com
Zeca Baleiro, no ano 2000, e que foi publicada na edição 29 da versão impressa do fanzine, em maio daquele ano.
Observação: por ter sido uma entrevista feita quase 12 anos atrás, naturalmente há algumas opiniões e situações que refletem apenas aquele contexto específico. Na parte que Zeca Baleiro menciona a banda
Los Hermanos, por exemplo, lembremos que a conversa foi na época em que a banda carioca havia estourado nas rádios, exclusivamente pela execução maciça (e impregnante) da canção "Anna Júlia". Vamos à entrevista:
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Fim de show no Crato Tênis Clube, o relógio já marca quase 3 horas da manhã e Zeca Baleiro avisa que irá receber todas as pessoas que desejam falar com ele. Bastante atencioso com os fãs (isso já por volta das 4 horas da manhã), ele manda avisar à equipe d’O Berro: "trato é trato, a entrevista [previamente marcada] ainda está de pé". Depois de mais uma espera, finalmente acontece o bate-papo, não mais no Clube, e sim no Hotel Verde Vale (em Juazeiro do Norte), à beira de piscina, “tentando descansar”. O papo rolou até o nascer do sol.O BERRO: Você já está se preparando para entrar em estúdio ?ZECA BALEIRO: É, vou dar uma parada agora. Farei alguns shows no interior de São Paulo e no fim de junho mais alguns na Europa. Então, em junho estarei entrando em estúdio para fazer um novo disco.
No último disco [
Vô imbolá, de 1999]
a grande característica foi a influência eletrônica, fazendo até um contrapeso com a “música de raiz” nordestina, e você certa vez comentou que o próximo seria mais “violonístico”. Qual será a característica do próximo disco?Este disco [
que viria a ser o Líricas
, lançado ainda no ano 2000] vai ser muito simples, semi-acústico, com uma sonoridade bem suave, contrastando com esse
Vô imbolá, em que eu queria fazer uma coisa grandiosa e até ruidosa. Em um certo sentido acho que ele cumpriu seu papel. Agora ele já está meio esgotado: um ano fazendo cerca de 110 shows nesta turnê, que geralmente foram feitos com a banda, com uma alma, barulhenta, bem rock’n’roll. Então acho que é uma coisa natural eu querer fazer uma coisa mais introspectiva, mais baseado em canções, em baladas.
Qual é a preocupação de se valorizar o novo (a tecnologia, efeitos eletrônicos na música) sem esquecer as raízes?Acho que essa é a grande ponte que a gente tem que fazer: entre tradição e modernidade. Você não pode abraçar a tecnologia como meio de expressão contemporânea e esquecer a tradição. De certa maneira, meu trabalho é muito calcado nas raízes da música brasileira, da cultura popular, mas usa eletrônica. A tecnologia pela tecnologia é vazia. Se usar, “olha como eu sou moderno”, mil recursos e tal, e daí?! É nada! Na verdade, a tecnologia é um meio e não um fim. A tecnologia deve estar a serviço de uma expressão, de um sentimento, de uma coisa maior.
Comente sobre sua amizade com Lobão, que está novamente na mídia, e sua participação no último CD dele.Na verdade eu me considero um cara de muita sorte, pois desde que eu surgi no cenário nacional participei do
Acústico da Gal Costa e depois disso já participei do disco do Lobão, do Martinho da Vila, do
Songbook do Chico Buarque e mais recentemente do CD do Trio Nordestino, que é um trio histórico. Então, estas coisas para mim são um prêmio, uma recompensa. Fico muito feliz e me considero um cara privilegiado por poder me relacionar com estas pessoas que são referência para mim.
Você enviou uma letra para o Lenine. E aí, ele já musicou?Como você sabe disso?
Andamos investigando... (risos)Mandei a letra para ele, mas que eu saiba até agora ele não musicou. Fizemos um trabalho juntos: eu, Lenine, Chico César, Paulinho Moska e o Marcos Suzano, uns dois anos atrás, que foi o espetáculo “5 no palco”. O show andou por umas doze cidades do interior de São Paulo e foi fantástico. Tentamos fazer um disco depois, mas houve um problema com a gravadora do Lenine. Emperrou lá o processo, então não deu, mas virou um especial de fim de ano da TV Cultura.
Já que você citou a gravadora, há pouco tempo estava em evidência uma grande campanha contra a pirataria, que Lobão criticou bastante. Você participou de um bate-papo na revista Caros Amigos, onde isso foi discutido, o domínio das gravadoras, etc. Mas olhando seu CD, tem o selinho para denunciar a pirataria... Pergunto: quando a gravadora impõe, não tem muita negociação? O artista acaba limitado mesmo?Esta é uma questão bem complexa. Aquela matéria da revista foi boa, mas nada elucida tanto, no Brasil principalmente, por não existir uma legislação atualizada. Quanto à pirataria, não dá para fingir que ela não é um problema. O Lobão tem um discurso diferente do meu. Faço parte de um selo que é filiado a uma gravadora, a Universal (a maior gravadora do país), e o Lobão está em um esquema totalmente independente. E o que ele está propondo é uma coisa rara, de vender disco [
o álbum A vida é doce
, de 1999] em bancas de revista a um preço acessível. A gente tem uma afinidade mas eu não assino em baixo de tudo que ele pensa e fala, e vice-versa. A relação com a gravadora tem que ser estratégica. Por que hoje eu, por exemplo, posso vir ao Crato tocar para um público? Porque tenho o suporte de uma gravadora. Então, não se pode só achincalhar a gravadora. É sempre uma relação difícil, porque a gravadora quer vender e o artista quer criar, mas acho que você deve se adaptar de uma certa maneira sem fugir dos seus princípios.
Mas há um prejuízo muito grande para o artista por causa da pirataria, ou apenas para a gravadora?O artista sai prejudicado também, porque grande parte da renda de um artista são os
royalties [
recebimentos de direitos autorais], e quando alguém compra um disco pirata isso não é computado. Agora, nesse esquema de arrecadação de direitos autorais há muita corrupção. Mas eu acho que há outros problemas, o buraco é mais embaixo. Por exemplo, eu acho o preço do CD no Brasil caro. As gravadoras têm mil argumentos para dizerem que não, que o preço cobrado deve ser esse mesmo, mas eu acho vinte reais um valor muito alto. Mas o mercado tem uma lógica, uma lógica às vezes cruel e perversa, e eu sou apenas um artista.
Sempre há alguém tentando começar a carreira, no Cariri ou em qualquer lugar. Alguns têm que sair de sua terra para conquistar espaço, e você quando foi para São Paulo detestava tocar na noite, por quê? E quais são realmente as “temidas dificuldades do começo”?Eu detestava porque sempre me considerei um autor e nunca gostei de reproduzir música dos outros, fazia isso por sobrevivência, e fiz pouco tempo porque não suportei. Foi interessante, “a noite é uma escola”, todo mundo fala isso. É uma escola para o músico, onde se aprende muita coisa, mas é um trabalho muito vicioso também: você fica naquela de tocar os sucessos de outros artistas. Quando você não tem um trabalho próprio isso é maravilhoso, mas quando você tem a intenção de ser um criador fica uma coisa meio chata.