terça-feira, 25 de abril de 2017
Na escuridão, te dedico. Sobre ‘O Paciente Inglês’
por Josú Ribeiro
Paciente: alguém que sofre, e/ou espera. Passivo a quem chega. Mas o que se espera? À espera de um amor, de que se toque um piano e a pessoa certa apareça? À espera pelo retorno da morte, que deixou um sobrevivente sem causa? O Paciente Inglês (The English Patient, 1996) é um filme de espera, de sofrimento, é um filme sobre o amor. Adaptado e dirigido por Anthony Minghella, é baseado no romance do canadense Michael Ondaatje, de mesmo título, publicado pela primeira vez em 1992. Foi vencedor de 9 Oscar, incluindo melhor filme e melhor fotografia.
A história se passa no final da Segunda Guerra Mundial, Almasy (Ralph Fiennes) sobrevive a um ataque ao seu avião, tendo o corpo totalmente queimado. Fica aos cuidados de Hana (Juliette Binoche), uma enfermeira canadense que perdeu namorado e uma amiga na guerra, abandonando o pelotão militar. Hana carrega consigo traços de sofrimento, que são muito bem absorvidos pela atuação da Juliette Binoche. Entretanto, ao se propor cuidar de Almasy, o encontro é empático, dando margem a um novo renascer.
Almasy pouco sabe sobre si. Aos poucos resgata sua identidade através de memórias soltas de sua história de amor com Katharine (Kristin Scott Thomas). A saudade é a linha condutora, equilibrando-se com passado. Com poucas memórias sobre si, passeia por lembranças, e ao resgatar sua amada, resgata a si. É um filme lento, tendo uma carga poética intensa – um campo minado – que requer destreza, cuidado e atenção. Assim como na vida de Almasy, Hanna possui sofrimento, amor e a morte, cravados em sua memória.
As cenas percorrem o Egito, Tunísia e Itália. Grande parte acontece no Egito, onde lá conhecemos o “Clube da Areia” em que Almasy é arqueólogo, mapeando traços de civilizações esquecidas. É nessa expedição que se apaixona por Katharine, esposa de um amigo. Com esse cenário árido e uma imensidão de areia a cobrir a tela, a fotografia do filme me inclina a pensar ser feita de uma cortina de areia que nos deixa imersos no grande deserto, e sua capacidade de transmutação. O que lembra o tempo. Com tons alaranjados e amarelos acentuados, acaba-se produzindo bem uma temperatura quente do deserto, e sentimentos calorosos. Quando Hana aparece nas cenas – cenários cheios de árvores, poças d’água – há vários tons de verde, como se aos poucos sua esperança necessitasse ser regada para um novo florescer.
Senti melancolia, fiquei imobilizado. As histórias de Almasy, Hana e Kip, – este que aparece desarmando bombas – reflete uma carga humana de lidar com o imprevisto, lidar com o que não se pode controlar, com a fatalidade.
Almasy traz sempre consigo um livro de Heródoto, junto com algumas anotações. Além de conter histórias, dentro dele há desenhos, rabiscos, papéis curiosos. Em um livro, abrimos as páginas, percorremos a história, relemos o que gostamos, saltamos algumas linhas, frases, parágrafos que não nos cabem. Alguns fatos são enterrados, esquecidos, necessitando serem descobertos por algum acidente de percurso. Almasy, era aquele livro inseparável, com alguns desenhos, rabiscos preciosos, carregados de despedida. Palavras dedicadas sob luz desperdiçada, mas luzida de saudade, de amor e de esperança. Na escuridão, há tempo?
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Josú Ribeiro é poeta e músico. Formado em Psicologia na Unileão.
Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 37, de novembro de 2016), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.
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