por Saulo Portela
“Filmes morrem. Filmes desaparecem, são esquecidos, destruídos, perdidos. O Cinema - o processo mecânico inventado para capturar e projetar imagens em movimento - perpetuou famosos e anônimos em celuloide, respondendo ao anseio do Homem em tornar-se eterno. Mas o produto cinematográfico é matéria orgânica, perecível, quase tão mortal quanto a carne e o sangue. Com o passar do tempo descobrimos que o filme envelhece, ganha rugas, sofre cortes e amputações. Degenera-se.”
(PRIMATI, Soares. Cemitério Perdido dos Filmes B. São João dos Pinhais, 2014, p.11)
E amo mesmo. Desde sempre tive um apreço por histórias não convencionais, uma paixão por monstros oriundos do espaço sideral, do oceano e até os criados pelo próprio homem. Vampiros, lobisomens, zumbis, múmias, criaturas aquáticas e alienígenas são habitantes ou visitantes assíduos em produções do cinema B, porém esse termo, por vezes é usado de forma errônea ou mal empregado, geralmente associado a produções ruins, atuações caricatas e efeitos medonhos, logo se fazem necessários maiores esclarecimentos sobre estas pérolas do cinema.
As décadas de 1930 e 1940 representaram um marco para o cinema americano. Grandes estúdios Hollywoodianos viveram suas épocas de ouro neste período e as “double features” tornaram-se a sensação do momento: dois filmes pelo preço de um! A sessão dupla continha como atração principal um filme dos estúdios A, com atores famosos, orçamento e duração maiores e uma produção mais barata, proveniente dos estúdios B, geralmente das mesmas produtoras, que logo foram batizados de Filmes B, que aqui serão a cereja do bolo.
Embora minha predileção sempre foram os de horror e sci-fi, era bastante comum filmes B de faroeste e gangsters. Por vezes, tais produções usaram cenários e figurinos de segunda mão, mas as grandes doses de criatividade, bom humor e sensualidade compensavam qualquer orçamento limitado.
A grande depressão dos Estados Unidos ao fim dos anos de 1920 afetou o cinema de forma que o valor dos ingressos e a quantidade de espectadores caíram bruscamente. Lutando pra evitar falência criou-se a MPPDA (Motion Picture Producers and Distributors), uma espécie de cooperativa entre as maiores cinco produtoras da época, que passaram agora a controlar a produção, distribuição e exibição de filmes. Nesse contexto, os oprimidos exibidores independentes passaram a ofertar promoções e sessões especiais, como matinês, sessões gratuitas pra senhoras e as sessões duplas, criando e fortificando o conceito dos Filmes B.
As produções tornaram-se febre entre os norte-americanos, evitando a decadência e criando assim uma nova era para o cinema. Embora as produções “de segunda” tivessem caído no gosto popular, tornando-se sinônimo de bilheteria garantida, elas não eram atingidas pelo impiedoso Código Hays (1930-1968), que assombrava e censurava grandes produções, sendo assim, o cinema B tomava corpo e foi por vezes alvo de boas críticas. Grandes exemplares deste período são: Zumbi Branco (1932), A Morta Viva (1943), O Túmulo Vazio (1945) dentre ouros.
No começo dos anos 1950, a Suprema Corte Americana proíbe essa prática dos grandes estúdios, alegando que as salas não geravam competição e criavam monopólio. Tal decisão abriu mercado para o cinema estrangeiro e deu mais opções para o público, porém o dividiu em classes. Os mais abastados continuaram assistindo grandes produções e filmes de arte europeus enquanto os menos afortunados ficavam limitados a cinemas de periferia e drive-ins. Sendo assim temos a morte do cinema B tal como foi concebido, porém a quebra do monopólio favoreceu a produção independente, o que fez com que grandes exemplares do cinema de horror fossem criados e ainda levassem o título de filmes B, apesar da nomenclatura ter sido criada para nomear filmes das décadas de 1930 e 1940.
Muitas obras desse período foram perdidas, mas com as constantes homenagens a estas preciosidades, por parte de diretores em filmes das décadas de 1970 e 1980, com os inúmeros remakes e com o avanço da era digital, filmes B são facilmente encontrados em cópias físicas ou disponíveis para downloads atualmente. Então se desnude de seus preconceitos cinematográficos e se permita deliciar com personagens exóticos, mocinhas a perigo, monstros sedentos por sangue ou apaixonados e heróis invencíveis.
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Saulo Portela, 34 anos, professor de matemática, apaixonado por cinema e principalmente pelo gênero horror.
Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 37, de novembro de 2016), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.
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