terça-feira, 12 de maio de 2015
Regionalista?!
por Harlon Homem de Lacerda
Existe um termo na literatura que persegue tanto escritores quanto os pesquisadores de literatura: regionalismo. Essa história toda começou, aqui no Brasil, quando alguém “prestou atenção” e começou a querer classificar os romances românticos. Qual a diferença entre Senhora e O Sertanejo de José de Alencar? Qual a diferença entre Inocência de Visconde de Taunay e Lucíola de Alencar? Alguém se fez essas perguntas, creio eu, e encontrou a seguinte resposta, também, creio eu: “ahhhh! Senhora se passa na cidade do Riodjixanêro e O Sertanejo não se passa na cidade do Riodjixanêro, então Senhora é um romance urbano e O Sertanejo é um romance regionalista! Inocência não é ambientado na cidade do Riodjixanêro, mas Lucíola sim, logo, Inocência é regionalista e Lucíola é urbano!” E isso piora! Como são conhecidos Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado, José Américo de Almeida? Regionalistas Nordestinos!
Alguém aí já ouviu falar do romance regionalista de Dostoievski? E de Tolstoi? E de Cervantes? Não existe tal classificação, pois estes autores tratam do ser humano de forma universal. Mas e Jorge Amado não trata do ser humano? Das paixões, dos medos, das injustiças naturais a qualquer ser humano, mas ambientadas em lugares não metropolitorâneos do Brasil? O mesmo faz José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e vários outros escritores que carregam o adjetivo de “regionalistas” unicamente por que não falam do Riodjixanêro ou de São Paulo. Essa classificação foi cunhada de forma monovalente por críticos posicionados nessas grandes cidades e que dominavam os meios de produção crítica e intelectual.
Agora, temos a possibilidade de decidir o que é o centro e o que é a periferia, pois a informação não tem mais centro! Há, é claro, os monopólios de mídia de massa que criam os batedores de panela e os revoltados online, mas, graças à descentralização, podemos entender que um romance como A Bagaceira trata de questões humanas, rurais, nordestinas e por isso faz parte de questões centrais do ambiente de onde eu falo, de onde eu tenho memória ontogenética e filogenética, não é, portanto, um romance regionalista, “limitado” por conta do espaço e dos tipos de que trata. A Literatura é humana em qualquer lugar.
Guimarães Rosa, só pra darmos um fecho à questão, colocou no bolso, de uma vez só, todos os críticos que pediam para tratá-lo de “regionalista”. Tentaram, falaram, inventaram outras alcunhas como transregionalista, superregionalista etc. e tal, mas não colou! Guimarães Rosa, com seu sertão-mundo, é do mundo, é universal.
Precisamos entender o lugar de onde falamos e o lugar de quem ouvimos ou lemos para dar continuidade ou para dar um basta a classificações mesquinhas dos nossos autores e autoras. Precisamos para de dar ouvidos ao mercado editorial e aos livros didáticos que reproduzem, sem qualquer reflexão, termos e conceitos plasmados por medalhões da crítica e teoria literária. Pensemos sempre, em todo caso. Até a próxima!
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Harlon Homem de Lacerda é Mestre em Letras pela UFPB e Professor de Literatura Brasileira da Universidade Estadual do Piauí (UESPI - Oeiras). E-mail: harlon.lacerda@gmail.com.
Outros textos da coluna “Perspectivas do alheio” no blog O Berro:
- Vixe Maria!
- Tempo e Espaço
- A cuspida de Dona Anita
- Alguém aí já ouviu falar de Laurence Sterne?
- Por que eu não li Dom Quixote?
- Perspectivas do alheio
- A hora e a vez
- Quantas vidas cabem numa semana?
- Reinvenção do tempo.
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