quinta-feira, 14 de maio de 2015

Gravando



por Amador Ribeiro Neto

Aline Rocha (São Paulo, 1990) é graduada em Letras pela USP, tradutora e cursa o Mestrado em Teoria Literária na UFF. Trabalhou como coeditora da Editora Patuá. Gravando (São Paulo: Patuá, 2013), seu livro de estreia, foi premiado pelo Programa de Ação Cultural do Governo do Estado de São Paulo (ProAC). Teve tiragem inicial de 1.500 exemplares. Um feito e tanto.

Além disto, 20% dos livros foram distribuídos gratuitamente para as Bibliotecas do Estado de São Paulo através do SisEB – Sistema Estadual de Bibliotecas. Quem desejar conhecer o livro pode baixá-lo gratuitamente no formato e-book.

O poema inicial dá nome ao volume. Ele também aparece on line na página da editora dedicada ao lançamento. Portanto, é um poema assumidamente emblemático. Cito-o no íntegra: “porque a gente só sabe amar feito cinema / a gente é tudo fresco / e precisa ter a maldita cena / do casal correndo na chuva do beijo / em câmera lenta / ou então a gente ama feito novela / aquele melodrama todo / a gente devia era desligar a câmera / pra se amar, apagar as luzes / devia era se amar no camarim / me espera na saída”.

Quem escreve tamanha bobagem, imaginando que a displicência seja a língua usada coloquialmente enquanto poesia, só poderia mesmo concluir, no poema intitulado “entretempos”: “o presente é perpétuo / o poema petrifica”. De fato, o que esta poetisa escreve não petrifica, uma vez já que nasce petrificado, mumificado, gravado entre “tonterías” sem fim. Em tempo: de nada vale apropriar-se de Joseph Brozek nem de Silva Carvalho e somar citações de ambos num poema. Colagem sem pé nem cabeça = asneira.

Vejamos quão engraçadinha é Aline Rocha parafraseando Drummond: “o tempo é virgem / o presente é virgem / mas nós não somos mais, / ou pelo menos em partes. / Em outros termos: / joguinhos de amenidades, / mas vai que dá certo”. Poetisazinha, não deu certo. Não dá certo. Não vai dar certo. Você erra na mão até quando toma Drummond como uma referência. Você é virgem em Drummond. Você dilui o que é denso. Liquefaz o que é matéria. Torna tudo fluido, fácil, fútil.

Um tal “Alcides” (leitor, tome, por gentileza, a coluna da semana passada e me diga, tinha de ser Alcides?...) aparece como o amado: “Então abri a porta do quarto e perguntei pro Alcides: ‘que cê acha, amor?’ / E ele assim, meio de lado, meio tonto, levantou aquela / cabecinha desgraçada e disse: ‘é mó barato”. Pois é. Papo entre chatos. A poesia passou lá nas costas da Cochinchina.

Como se não bastasse, o amado retorna em “Carta pro Alcides”. Antes uma pergunta: será que a Aline Rocha acredita que faz poema em prosa nesta missiva passiva, inerte, apática e beócia? Confira um trecho, leitor: “Entrei ofegante e suada no cinema e vi que o nosso filme estava em cartaz. Lembrei de você, Alcides, e não segurei. Todos me olharam, todos, e o choro aumentou, era incontrolável, como tudo em mim”.

A observação rala da realidade, a percepção adolescente dos próprios sentimentos, a reflexão ingênua sobre os acontecimentos deixam entrever o grau de superficialidade da “poesia” de Aline Rocha. Bem, a poetisa deveria ao menos controlar sua vontade de fazer poesia. Seu livro não vale a pena nem baixado gratuitamente.

Li Gravando em busca de algo que pudesse despertar meu interesse. Algo prazeroso. Que superasse a mesmice e surpreendesse. Em vão. Tudo é boçal. Nada vai além do clichê. Do tolo. Da futilidade.

O projeto gráfico e as ilustrações de Leonardo Mathias são muito bons. De fato, tão bons que nos fazem desistir de rasgar o volume depois de lido.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 08 de maio de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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