quinta-feira, 23 de abril de 2015
Três pedras
por Amador Ribeiro Neto
Adriana Versiani dos Anjos (Ouro Preto, 1963) é editora do Jornal Dezfaces, integra o conselho editorial da revista Ato e participou do Grupo Dazibao, de Divinópolis. Publicou A física dos Beatles (2005), Conto dos dias (2007), Explicação do fato (2008, e-book incluído na revista eletrônica Germina), Livro de papel (2009). Acaba de lançar Três pedras (Juiz de Fora: Espectro Editorial, 2014).
Li Explicação do fato, que não me agradou. O livro procura ser uma poesia em prosa e deslancha para poemas verborrágicos. Ainda que curtos. A verborragia não está no número de palavras, mas na redundância de ideias. Quando foge do poema em prosa, há coisas como “Às 6:30 da manhã”, que cito integralmente: “disparo o olhar para todos / os lados / Os bocejos da calçada / despertam a alma do / asfalto / Aponto a máquina e fotografo”. Mais parece um exercício de oficina de criação poética (?) de algum poeta marginal. É banal e bobo.
Do mesmo livro: “Essa noite Você / Calor do Vento, / entrou pela janela e / soprou seu hálito / quente / em mim. // Umedeci”. Poema de guardanapo de bar feito sob efeito da ressaca. Não dá pra levar a sério.
Oswaldo André de Mello escreveu no jornal “Agora”, de Divinópolis: “Todas as obras de Adriana Versiani dos Anjos apresentam-se maduras, com o frescor da linguagem poética renovada que provoca estranhamento e admiração”.
Não é verdade. Entre o e-book e este atual, por exemplo, estende-se um imenso abismo. Naquele, a mediocridade, a macaqueação de Clarice Lispector, Ana Cristina César e Adélia Prado é constrangedora. Neste há a elaboração da linguagem em várias modalidades. A percepção do mundo de modo inusitado. Portanto, não há “um conjunto orgânico” nem “frescor da linguagem” em seus livros. Não existe esta unidade. Incensar o santo da casa é provincianismo. A produção de Versiani é bastante desigual.
Ela revela-se uma poeta de fato em Três pedras. Aqui os dez poemas, todos subdivididos, podem ser lidos isolada ou conjuntamente. A imagem do todo e a parte, do barroco gregoriano, é reciclada à luz da contemporaneidade. Ou será um jogo cortaziano?
Um eu lírico fala de diferentes lugares. E assume um corpo metamorfoseado. Que alucina: “neste cérebro giro com o ruflar das asas” numa linguagem que tange o surreal. Que padece: “sofro / a palavra nada / o impossível eterno // sofro / o sopro”. Que vive da linguagem: “Toda palavra está condenada ao silêncio”.
Dentre outros recursos de estilo, destaco o de acumulação gradativa seguida da desconstrução, usual nas cantigas populares. Cito o poema “III”: 1. Havia o engolidor de espadas, / a serpente, e a lamparina que iluminava / o caminho da fuga. // 2. Havia o engolidor de espadas, / a serpente, e a lamparina que iluminava / o caminho da fuga, / e a paixão de uma mulher. // 3. Havia o engolidor de espadas, / a serpente, e a lamparina que iluminava / o caminho da fuga, / e a paixão de uma mulher, / e o tempo que: / apagou as pegadas do engolidor de espadas, / desmanchou o rastro da serpente, / soprou a lamparina que iluminava / o caminho da fuga / e cobriu com cinzas / a paixão de uma mulher”.
Esta Adriana Versiani dos Anjos vale a pena. Aqui, poesia de fato.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 17 de abril de 2015, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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