terça-feira, 14 de abril de 2015
Tempo e Espaço
por Harlon Homem de Lacerda
Existem duas categorias no texto narrativo que são pouco ou mal exploradas pelos apreciadores profissionais de literatura: o tempo e o espaço. Há duas tradicionais definições de como essas categorias podem aparecer na narrativa, já estratificadas no cotidiano de quem folheou ou ouviu falar em teoria literária. Sobre o tempo, dizem que pode ser psicológico ou cronológico. Sobre o espaço, dizem que pode ser aberto ou fechado. Seguem-se os desdobramentos dessas pouco compreensíveis definições ao se tratar de fluxo de consciência, espaço geográfico etc. etc. etc.
Tem dois caras, dois pensadores respeitados de teoria literária que trazem um olhar novo (sic) e bem instigante sobre essas categorias. Osman Lins, na década de 1970, ao tratar sobre o espaço em Lima Barreto constrói uma reflexão que vai desde o espaço como categoria ligada ao tempo até a noção de ambiente, que se diferencia de espaço ao motivar as sensações que determinado lugar onde ocorre a sequência narrativa pode provocar tanto na personagem como no leitor. O outro cara, outro pensador respeitado de teoria literária, é Mikhail Bakhtin que, nos anos 1950, trata do espaço e do tempo como duas categorias ligadas uma a outra, assim como Osman Lins, mas de forma não separada e, pra concretizar essa união, ele cria uma categoria chamada cronotopo (tempo e espaço).
Pra que serve isso? Pra nada, no fim das contas! Mas, se quisermos ser menos pragmáticos, alienados e reificados, a disposição destes senhores sobre a relação entre tempo e espaço como unívoca aprofunda a reflexão que nós leitores temos do texto literário. Ao pensarmos uma narrativa como a trajetória de uma personagem através de um espaço-tempo, a noção de tempo psicológico ou cronológico perde sua função e teremos, então, um tempo que se projeta sobre um espaço e vice-versa. Este espaço-tempo servindo como a base para a própria relação da personagem com outras personagens e do narrador com o herói. Até do leitor com o narrador e com o herói. O espaço-tempo movimenta a ação da personagem seja por quais trajetórias forem e definem, juntos, o ritmo da narrativa em cada sequência lida.
Tomemos o exemplo de uma narrativa como a que encontramos na canção “Nordestino” da banda Dr. Raiz. O espaço-tempo da personagem no início da canção-narrativa é construído a partir de símbolos telúricos de pertencimento à terra natal, ao Nordeste brasileiro. O ritmo da música, que poderíamos aproximar de um ritmo narrativo, é percebido através de um tom emocional triste, atrasado, preso, repetitivo. Com a modificação do espaço-tempo, o ritmo da narrativa ganha um tom mais livre, feliz até se tornar opressivo, ameaçador. Todas essas sensações são mensuráveis a partir das palavras que marcam o tempo-espaço utilizado na canção.
Quem quiser se ler mais sobre essa viagem toda, pode acessar esse link http://periodicos.urca.br/ojs/index.php/MacREN/article/view/646/618 e ler o texto: “Tese e antítese em duas canções da banda caririense Dr. Raiz”.
Se você tiver tempo e espaço, seria mais massa ainda ouvir as duas canções da banda que falei:
“Nordestino (Na Beira do Mar)” (Dudé Casado):
“Caldeirão da Santa Cruz do Deserto” (Dudé Casado / Hélio Ferraz):
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Harlon Homem de Lacerda é Mestre em Letras pela UFPB e Professor de Literatura Brasileira da Universidade Estadual do Piauí (UESPI - Oeiras). E-mail: harlon.lacerda@gmail.com.
foto (detalhe) do início da postagem: Sérgio Azenha
Outros textos da coluna “Perspectivas do alheio” no blog O Berro:
- A cuspida de Dona Anita
- Alguém aí já ouviu falar de Laurence Sterne?
- Por que eu não li Dom Quixote?
- Perspectivas do alheio
- A hora e a vez
- Quantas vidas cabem numa semana?
- Reinvenção do tempo.
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