terça-feira, 20 de janeiro de 2015
Quantas vidas cabem numa semana?
por Harlon Homem de Lacerda
Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister (São Paulo: Editora 34, 2009) de Goethe é um livro paradigmático. Schlegel e Hegel fazem menção a este texto logo depois de sua publicação no final do século XVIII. Outros importantes pensadores da literatura, como Georg Lukács e Mikhail Bakhtin, acentuam a importância deste romance para a literatura ocidental e colocam tanto Goethe como seu romance entre os melhores.
Não direi nenhuma novidade sobre o Meister, antes direi que ele é a novidade. A construção do enredo, os conflitos que se estabelecem entre as personagens, as caracterizações elaboradas pelo narrador, as questões morais e humanas que se colocam e são colocadas ao longo da narrativa, a proposta de formação (bild) que transcende a metáfora e ganha materialidade dentro da trama são características que impedem uma crítica superficial. É lendo Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister que é possível compreender as nuances ideológicas e estéticas, tão louvadas pelos críticos nos últimos duzentos e poucos anos.
A fim de mera demonstração coloco um trecho do romance que pode nos fazer refletir: “Tão propenso anda o homem a dedicar-se ao que há de mais vulgar, com tanta facilidade se lhe embotam o espírito e os sentidos para as impressões do belo e do perfeito, que por todos os meios deveríamos conservar em nós essa faculdade de sentir. Pois não há quem possa passar completamente sem um prazer como esse, e só a falta de costume de desfrutar algo de bom é a causa de muitos homens encontrarem prazer no frívolo e no insulso, contanto que seja novo. Deveríamos - dizia ele - diariamente ouvir ao menos uma pequena canção, ler um belo poema, admirar um quadro magnífico, e, se possível, pronunciar algumas palavras sensatas” (p. 278-9).
Esta fala é de Serlo, o dono de uma companhia teatral da qual Meister faz parte durante algum tempo. Este trecho destaca um comportamento, uma ideia de funcionalidade da arte, do belo, que se perdeu há muito tempo em nossa sociedade. É hoje possível pensar no caráter formativo da arte numa perspectiva de melhorar as pessoas e, consequentemente, o mundo? Ouvi, dia desses, uma “artista” dizer que a arte não muda o mundo, o mundo muda sozinho. Meister não agia assim, Goethe provavelmente também não. E nós? Como está nossa formação? Como se realizam nossos anos de aprendizado? Estas foram algumas das perguntas e provocações com as quais me defrontei ao “dialogar” com as muitas páginas deste romance.
Escrevo este texto ainda com as ideias do Meister rondando minha cabeça. Ainda não posso, certamente, dar uma palavra final a respeito do que presenciei de uma Alemanha em transformação, de uma burguesia nascente, de uma nobreza ainda forte, de encontros e desencontros notadamente marcados pela mão do destino, mas que é profundamente prescindido pela decisão e ação do homem e da mulher que tece seu próprio caminho. O que posso dizer, seguro, entretanto, é que Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister está na ordem do dia, está no centro das discussões de uma sociedade que se vê diante de casos extremos de escolha de um lado certo, bom e justo ou de um lado humano, humanista em essência.
Muitas vidas desfilaram em minha mente durante esta semana: Mariane, Philine, Mignon, Serlo, Aurelie, Therese, Wilhelm Meister, Werner... todas diferentes, todas importantes, todas humanas por excelência. Goethe nos oferece um mundo novo, constante e permanentemente novo desde que apresentou este romance. Em suma, um livro essencial.
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Harlon Homem de Lacerda é Mestre em Letras pela UFPB e Professor de Literatura Brasileira da Universidade Estadual do Piauí (UESPI - Oeiras). E-mail: harlon.lacerda@gmail.com.
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