quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
Poesia do zepelim doido
por Amador Ribeiro Neto
Zuca Sardan (Rio de Janeiro, 1933) é arquiteto, diplomata, poeta, ilustrador. Escreveu, entre outros, Ossos do barão, Ás de colete (ambos publicados pela Unicamp), Babylon (Companhia das Letras) e Ximerix (Cosac Naify). Voe no Zeplin (Santa Maria-RS: Maria Papelão Editora, 2014) leva o subtítulo de “Folhetim em sextilhas”.
Zuca Sardan é impagável: vale-se da sátira, mais um mix de referências históricas e linguagens artísticas para produzir uma das poesias mais críticas e inventivas de hoje. Ximerix, que classifiquei como inclassificável, fazendo jus aos trocadilhos e troças do poeta, quase leva o Jabuti e o Telecom de 2014, ficando entre os finalistas.
Em Voe no Zeplin a carnavalização bakhtiniana, mais uma vez, invade a cena. E faz o mundo ficar de cabeça pra baixo. O zepelim, inventado pelo alemão Ferdinand Zeppelin em 1910 aparece sobrevoando o vulcão Cracatoa extinto 27 anos antes. A coerência histórica não interessa quando convivem lado a lado Lady Godiva, Gardel, as Parcas, Caramuru, a loba do Capitólio, Arariboia, Teseu, Salambô, Carmen de Bizet, Crimeia, Lapônia, Carélia, o Pato Sentado (Sitting Duck), os índios Caetés, entre outros.
Na literatura brasileira a sextilha está presente, por exemplo, em “O caçador de esmeraldas”, de Bilac, e em “Sextilhas de Frei Antão”, de Gonçalves Dias, entre outros. Além de muito usada na literatura popular (cordéis, repentes, desafios, etc.) é um modo poético-musical que, em Zuca Sardan, intensifica a construção rápida de imagens. Facilita o voo cinematográfico. Dá asas ao leitor.
As aventuras do caçador de esmeraldas espelham-se nas do Zeplin – às avessas. Ao elogio bilaquiano do progresso e do nativismo, Zuca nos dá um mundo à revelia e sem fronteiras. Gonçalves Dias anota sobre o uso das sextilhas: “adotei por meus a frase e o pensamento antigo, procurando tornar o estilo liso e fácil, que não desagradasse aos ouvidos de hoje”. No aspecto formal a proposta cai bem ao livro de Zuca Sardan. Aqui tudo flui leve, livre e solto. E agrada. Duas intertextualidades curiosas.
Logo no início de Voe no Zeplin o leitor é convidado, num sagaz recurso entre jogo de cassino e poesia de Mallarmé, a fazer o lance de dados e escolher sua poltrona no dirigível: “Pra reservar lugar / Faça dois lances / de dado. Se primeiro / lance der 6, / e segundo der 3, / Assento 63 é o seu”. A sextilha se intitula “Oraklo”. Atemporalidade a olhos vistos. O leitor deve sentir-se pronto a viajar.
Há um esboço de narrativa envolvendo a lua e o sol, “Porfia de namorados / Sol s’agita mas Lua / abre o manto estrelado / fumegante sorvedouro / donde densos s’exalam / os vapores da Noite”. Em seguida: “Canta triste Sol / ‘Oh Lua de melaço / toma cuidado bundoca / caem estrelas do cosmos / qual na c’roa qual na testa / vai-se-me ralando a careca’”.
Depois a contenda se estende entre Xarlox e Pacifé. Há tiradas geniais de breguice e par de chifres. “E como sacá-los?... / ‘Com saca-rolhas’, / sugere o garçom”. Sem dúvida o jovem Xarlox “precisa s’ilustrar / leia você também o nosso / Manax Kolax Illustrex...”.
Um vate desabafa com o albatroz, como a pedir-lhe ajuda, já que esta ave alimenta-se, basicamente, de insetos: “infestam o Zeplin / morcegos e baratas / kakerlaks a granel”. Kakerlaks, do alemão “kakerlake”, são um tipo de barata. E o livro segue com Minotauro, churrasco e grand finale.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 23 de janeiro de 2015, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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