terça-feira, 27 de janeiro de 2015
A poesia dos mestres
por Amador Ribeiro Neto
Enquanto leio a produção poética contemporânea brasileira estou sempre relendo os poetas canônicos. Hoje quero falar de três modernistas: Bandeira, Mário e Oswald. E de três contemporâneos: Drummond, Cabral e Augusto.
Bandeira surpreende pelo inusitado do cotidiano. Ele o vê tão de perto que nem parece realidade. Parece coisa de cinema. Ou cena de teatro. Tudo ali, à nossa frente. Na integridade de sua nudez mais coloquial. Sua musicalidade, aliada da entoação usual, resgata a fala do povo, como sempre desejou T.S. Eliot. E cria imagens sublimes da mais pura poesia. Ler Bandeira é ouvir a voz da criança, dos amantes e dos desvalidos. Tudo em sua poesia se torna ouro de mina.
Mário de Andrade retrata a alma do caipira e a do homem das cidades com uma verticalidade que revela o quão pouco, nós brasileiros, nos conhecemos. Sua apropriação do modo de falar do brasileiro, quer na semântica, na sintaxe ou na inflexão melódica, desalojou a poesia empolada que, em grande parte, ainda tomava conta do cenário poético. Ele foi um demolidor do império dos sentidos exacerbados. Depois dele ninguém mais pôde fazer poesia com sabor parnasiano. Mas fez-se muita. E ainda se faz. O que revela, por parte destes ditos poetas, anacronismo estético e cultural.
Oswald, com seus poemas-valise, poemas-pílula, poemas-piada tirou o tapete de seriedade bem comportadinha. Ele invadiu a Carta de Caminha e desentranhou dela poemas antológicos. Pegou a antropofagia de nossos índios e a alçou ao grau de uma estética filosófica. Releu a história da nossa colonização esculhambando tudo que merecia ser implodido. Até hoje é um demolidor de mentes estanques.
Drummond, que não participou da Semana de 22, mas soube herdar dela o melhor, dispõe a vida em peças expostas tão ao sol e à luz que parecem de cristal, ao invés de barro. Seu humor corrosivo, sua lírica contida, seu senso de realidade social espelham um leque do homem brasileiro, e do homem de todas as geografias, criando um universo exemplar do que de melhor se produziu no país. Com sua marca definida, acabou deixando herdeiros de meia pataca. Aos montes. Mas o mais importante é a sua obra. Singular. Única. Que mexe e remexe com o leitor. Em qualquer época. Ou lugar.
João Cabral revolve a matéria com tanta força e gana que nem parece que uma construção rigorosamente organizada dos versos e da poesia está presente ali. Seu apego à forma entrelaça-se a uma consciência de mundo social e artístico, num contínuo jogo de interdisciplinaridades e intertextualidades sígnicas e históricas. A palavra é tomada na sua materialidade mais concreta e palpável. A rima camufla-se nas vogais tônicas. A imagem condensa-se em tomadas microcinematográficas. Tudo é parcimônia. E beleza.
Augusto de Campos toma a palavra como matéria e a faz concreta ou maleável, conformando-a a seus quereres. Que são muitos ao longos de seis décadas de poesia. Augusto ensinou os poetas do mundo todo a trabalhar a palavra com rigor e sensibilidade, como coisas complementares. Um poeta digital “avant la lettre”. Ainda hoje sua poesia é negação da facilidade.
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Publicado pelo jornal Correio das Artes, suplemento cultural do jornal A União, de João Pessoa, que circulou dia 28 de dezembro de 2014, com data dezembro/2014. Ano LXV, nº 10, p. 42.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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Caro Amador Ribeiro Neto, sempre é muito bom navegar no seu blog e constatar e elucidar dúvidas. Ele é rico em conhecimento, sendo um diferencial na literatura. O conhecimento não lhe basta, precisa ultrapassar este conhecimento e dá-lo a quem o ler. Sempre me deparo e me emociono com as letras aqui dispostas. Grande abraço, Regina Lyra
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