quinta-feira, 25 de dezembro de 2014
Poesia exímia
por Amador Ribeiro Neto
Ronald Polito (Juiz de Fora, 1961) é poeta. Publicou Solo (1996), Vaga (1997), Objeto (poemas visuais, 1997), Intervalos (1998), De passagem (2001) e Terminal (2006). Fez o estabelecimento de textos de Tomás Antônio Gonzaga, Santa Rita Durão, Silva Alvarenga, Joaquim Manuel de Macedo e Drummond. Traduziu Joan Brossa, Narcís Comadira, Carles Camps Mundó, Maria Mercè-Marçal, José Juan Tablada, Renato Leduc e Octavio Paz, entre outros. A galinha e outros bichos inteligentes (São Paulo: Editora Dedo de Prosa, com ilustrações de Guto Lacaz, 2013) é sua estreia na vertente poesia para crianças e jovens.
É um livro bem humorado e, acima de tudo, incentivador de novas percepções frente aos estereótipos impressos na imagem de vários animais. Ronald Polito desmistifica. Assim, “a preguiça se espreguiça” mas “não fica enchendo linguiça”, numa alusão irônica ao nonsense da vida (profissional ou pessoal) de muita gente. A formiga, ao entrar em contato com a cigarra, percebe “que a vida não é só trabalho, / também é uma tarde de orvalho”. Um toque na contramão de Esopo. Claro.
O que mais incomoda o mosquito “é justamente ser chamado / de mosquito de Quito, / quando o seu sobrenome é / Machado”. No último verso, o corte abrupto do ritmo é uma machadada que resgata a inquietação dos chistes e picadas do grande bruxo da nossa literatura.
O gato gosta de nadar, não corre atrás de rato, não sobe em telhado e nem em cadeira pois “não gostava de lugar alto / vivia bem numa esteira”. A minhoca “queria ser uma foca” e acabou no polo norte “vendo a aurora boreal”. A gaivota não gosta de voar e quando levada ao alto pelas companheiras, “as asas soltas não bateu, / deixou todos de boca aberta: / com seu paraquedas desceu”.
Há poemas de três ou quatro estrofes, com oito ou seis versos. Há poemas de dois ou três versos. Tudo com alta condensação imagético-ideativa. Além de ambígua: “Em cada avião bate / o coração de um pássaro”. Ou: “Afinal, toda garrafa / é parente da girafa?”. Ou este que espelha o tempo nas marcas simbólicas das rugas: “A roupa da tartaruga / nunca rasga, só enruga”.
Por trás desta facilidade lúdica que vaza o livro de ponta a ponta esconde-se uma consciência de linguagem poética como a poucos é dado ter. Ronald Polito é um exímio trabalhador da palavra. Nenhum acento melódico, imagético ou de ideias passa-lhe incólume. Ele toma a palavra e faz dela o que quer. E como entende de poesia, seu livro é um game de mil veredas que se bifurcam sem cessar.
Machado de Assis e Borges beijam-se nos chistes e labirintos de A galinha. Guto Lacaz, sacando bem o espírito do poeta, traduziu visualmente o título como h’, reverberando o trocadilho verbal na síntese visual da letra e do apóstrofo.
“A formiga” é o poema que abre o livro. Formado por 3 estrofes de oito versos cada, e com versos de sete e oito sílabas, remete o leitor à ideia de unidade (número três) enquanto a variação métrica aponta para os dois bichos do poema e suas visões díspares: a formiga e a cigarra. Tudo num acordo leve e livre, que nos passa quase desapercebido.
Enfim, um livro para ler, analisar, ver e... ler em voz alta. E que este seja o primeiro de outros títulos destinados ao público infantojuvenil de todas as idades.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 19 de dezembro de 2014, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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