sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
Michael Haneke e Lars von Trier: gênios violentos
por Elvis Pinheiro
Michael Haneke e Lars Von Trier são dois diretores bem queridos da Mostra 21. Seus filmes ajudaram, e muito, a dar a fama de polêmica para o nosso festival. Criadores precisos, com uma visão contundente do ser humano, violentos, mas de uma violência que ultrapassa e muito a “banalidade” das rajadas de balas, os dois são responsáveis por produzirem verdadeiros monumentos de densidade cinematográfica dos anos 90 para cá.
No mesmo ano, conheci a ambos: 1998. Os dois, na mesma e maravilhosa sala da Fundação Joaquim Nabuco, no bairro do Derby em Recife. Primeiro foi Os Idiotas (Lars Von Trier, 1998) e em seguida Funny Games (Michael Haneke, 1997).
Vamos à descrição das experiências: Os Idiotas apresenta-nos um grupo de atores/ativistas que se passam por pessoas com deficiência mental em restaurantes, visitas a fábricas ou qualquer outro lugar. Uma reflexão extrema sobre uma sociedade de idiotas burgueses. No filme vemos cenas de sexo explícito e acompanhamos uma filmagem sem trucagens. Pertence ao movimento Dogma 95, que defendia a pureza no cinema estabelecendo dez princípios a serem seguidos rigidamente pelos seus criadores: câmera na mão, sem uso de iluminação artificial, sem inserção de trilha sonora, gravado na ordem dos acontecimentos da história... Era tudo muito novo para mim e me deliciei com tudo: forma e conteúdo.
Funny Games eu assisti sem saber o que me esperava. Da sessão iria para uma festa com umas amigas da faculdade. Depois do filme, liguei cancelando e fui continuar a sofrer em casa. Foi uma experiência única na minha vida, onde eu me contorcia, buscava não olhar para a tela e até cogitei várias vezes abandonar a sala. Mas, ao mesmo tempo, aplaudia a genialidade daquela obra. Mulher, esposo e filhinho recebem a visita de dois psicopatas que iriam apostar com nós, espectadores, que até o amanhecer, os três estariam mortos depois de uma sequência macabra de joguinhos.
Os dois filmes são extremamente violentos e desconcertantes, mas a força que eles possuem é da ordem do psicológico, da sugestão, de uma maldade perigosa, íntima e acessível a todos nós. Quando nos deparamos com filmes assumidamente violentos porque torturam de forma explícita os seus personagens ou porque apresentam inúmeras mortes com direito a bastante sangue via facas, espadas, socos e tiros, é muito inusitado observar que a economia de todos esses artifícios pode deixar-nos mais atônitos e com muito medo. Observem que Tarantino, com todos os seus litros de sangue despejados no cinema, deixa-nos alegres e empolgados ao fim de cada filme.
Interessante é que depois busquei os filmes anteriores de cada um deles e deparei-me com Ondas do Destino (Trier) e Código Desconhecido (Haneke), que posso dizer, tranquilamente, serem tão bons e fortes quanto os primeiros citados. Todo ano sonhamos, nós do circuito de filmes de arte, com as novas produções destes dois gênios diabólicos. E o tempo vai passando e um números maior de espectadores vai conhecendo o trabalho deles. Amor em 2013 levou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e, em 2014, Ninfomaníaca está também nas salas comerciais despertando a curiosidade de um enorme público.
É fácil encontrar quem diga que nunca mais vai querer ver um filme, seja de um, seja do outro, seja dos dois. Eu devo ser muito perverso, porque amo tanto ver quanto exibir tudo que eles fazem. Acho geniais (e agora vou misturá-los): Dançando no Escuro, Caché, Dogville, A Professora de Piano, Anticristo, A Fita Branca, Melancolia. Considero esses dois diretores, na verdade, escritores. Realmente eles assinam o roteiro de seus filmes e possuem uma ideia muito precisa dos pontos de vista que querem defender. A maneira como apresentam os personagens, como desenham a trama de suas histórias, de como estabelecem a evolução do enredo é, antes, literária.
Em 2014, devido ao tema que propomos, os dos ficaram de fora. Eles até possuem filmes que poderiam ser encaixados na Mostra 21, mas o fato de já terem sido exibidos fez com que eu optasse por outra seleção. A capacidade de chocar, de revoltar, de surpreender funciona em termos de marketing, mas eles não colocam gratuitamente nenhum elemento em seus filmes com a intenção explícita de estarrecer. A visão que eles possuem do mundo é que é aterradora e aterrorizante. Quem tem medo de enfrentar sua própria natureza mais sombria, pode não querer, deliberadamente, se encontrar noutra sala de projeção frente a seus filmes-espelho.
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Elvis Pinheiro é editor da Revista Sétima e professor. Desde 2003 é Mediador de Cinema no Cariri cearense.
Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 15, de 15 de janeiro de 2014), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.
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