quinta-feira, 11 de dezembro de 2014
Poesia de açucareiro
por Amador Ribeiro Neto
Ana Martins Marques (Belo Horizonte, 1977) é mestre em Literatura Brasileira pela UFMG. Foi contemplada duas vezes com o Prêmio Cidade de Belo Horizonte de Literatura. A vida submarina (2009) reúne os poemas premiados. Com Da arte das armadilhas (São Paulo: Companhia das Letras, 2011) recebe o Prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Fundação Biblioteca Nacional.
As orelhas de seu mais recente livro são assinadas por Armando Freitas Filho, um nome respeitado por considerável número de críticos e leitores. Ele diz que leu os livros da poetisa num fôlego só, “de fio a pavio”. E acrescenta: “Não dá pra largar ou intercalar”.
O autor das orelhas mente. Esta poesia é um enfado. A vida submarina nos oferece no máximo três poemas razoáveis, num volume de mais de 140 páginas. Ana Martins Marques peca pelo óbvio: nada tem a dizer e nem ao menos conhece a linguagem para dizer nada. Enfim: exaure. Dá nos nervos.
Considere, leitor, “Batata quente”: “Se eu te entregasse agora o meu amor / aceso como ele está, / como ele está, pesado, / você o trocaria rapidamente de mão, / você o guardaria um pouco na esquerda, / um pouco na direita, / por quanto tempo antes de o passar adiante?”. “Batatinha quando nasce” tem mais ritmo, imagens e ideias.
Agora veja “Reparos”: “Algumas coisas / quando se quebram / são fáceis de consertar: / uma xícara lascada / uma estatueta de gesso / um sapato velho / uma receita que desanda / ou uma amizade arruinada. / Ainda que guardem / as marcas do remendo, / é possível que essas marcas / tenham um certo charme / como algumas cicatrizes. / Mas experimente consertar / um poema que estragou”. Eis um poema de autoexorcismo, sem dúvida. A poetisa deveria ler o que escreve. E jamais publicar o que escreve. Já que nasce estragado.
O aborrecimento prossegue em Da arte das armadilhas. O lugar comum mais o prosaísmo e o coloquialismo insossos são a tônica ao livro. Se um concurso pode ter jurados bestiais, como entender os critérios de edição e seleção de uma prestigiosa editora como a Companhia das Letras ao publicar este miserabilíssimo volume?
Abre-se o livro e a poetisa Ana Martins Marques vem com o “Açucareiro”: “De amargo / basta / o amor // Agridoce, / ela disse // Mas a mim / pareceu / amargo”. Falta de expressividade quase absoluta. Estou pasmo. Trocadilho rude. Três estrofes competindo entre si: qual delas esgota mais rapidamente a paciência do leitor? Por ser o poema que abre o livro, não deixa de ser emblemático, não é mesmo, leitor?
Mas ele não está só. Encontra companhia em “Capacho”, que cito, tal como os anteriores, inteiramente: “Home / sweet / rua”. Pronto. É só isso o poema: um trocadilho de capacho. Outro: “Cinema”: “Encontramos na rua / uma fileira de cadeiras / de um velho cinema / levamos para casa / colocamos na varanda / passamos toda a tarde / bebendo e fumando / assistindo passar / um dia qualquer”. Nada mais nada igual a zero.
Veja agora o que ela diz em “Teatro”: “Certa noite / você me disse / que eu não tinha / coração // Nessa noite / aberta / como uma estranha flor / expus a todos / meu coração / que não tenho”. O leitor queria mais? A poetisa premiada não tem mais nada a oferecer.
____
Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 05 de dezembro de 2014, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário