quinta-feira, 13 de novembro de 2014
Poesia do entre-lugar
por Amador Ribeiro Neto
Mário Alex Rosa (São João Del Rei-MG, 1966) é poeta, professor, artista plástico voltado para instalações poéticas, crítico literário e Doutor em Literatura Brasileira pela USP. Estreou em 2009 com Fresta, editado pelo poeta e tradutor Ronald Polito. Depois vieram os infantis ABC Futebol Clube e outros poemas (2007) e Formigas (2014). Ouro Preto (São Paulo: Editora Scriptum, 2012) e Via férrea (São Paulo: Editora Cosac Naify, 2013) são obras recentes que remetem-se uma à outra enquanto memória afetiva e histórico-existencial.
Poeta parcimonioso, seus livros condensam, em poucas páginas, alta voltagem poética. Cada título seu é expressão do melhor da poesia brasileira hoje. Por isto mesmo, causa-me estranheza e desconforto Via férrea não constar ao menos dos semifinalistas do Telecom e dos finalistas do Jabuti. Mas, enfim, os júris passam e a poesia fica. Sei que será assim com mais este livro.
A poesia de Mário Alex Rosa não se fixa num tempo e espaço. Nem quer-se contida nas molduras da memória. Embora valha destes recursos, ela os usa como signos que se debatem nas fronteiras, avançando em direção centrípeta para, a seguir, expulsar-se em movimento contrário.
Nesta pulsão de momentos e movimentos, traça, em pinceladas, o entre-lugar, o entretempo, a entre-história de uma vida que se arquiteta em projetos e se assombra no inesperado dos sobressaltos.
Uma poesia tecida de novidade em novidade num permanente desassossego. Uma poesia feita de breves versos sobre pormenores do cotidiano. Reverberando a perplexidade do homem diante de seu tempo. Num lugar histórico que se oferece ao enfrentamento. Viver é instalar-se na dor incontornável e necessária. Pois dela advém a felicidade da sobrepujança.
Daí a força da epígrafe kafkiana: “A partir de certo ponto não há mais retorno”. Mas o inevitável não é uma contingência. É uma busca. Por isto mesmo segue o texto de Kafka: “É exatamente esse o ponto que devemos alcançar”.
Mário Alex Rosa, poeta, impôs-se esta meta. Cumpriu com admirável desenvoltura. Numa dicção particular. Num livro tecido como malha de concreto e nuvem. Amalgamadas. É o que encontramos, por exemplo, em “Deriva”: “No risco da tarde, a primeira linha pouco se via. / Tudo era parte e tudo se espatifava. / Neutro de si, você cruzava outra via, férrea. / Enquanto a palavra dava um coice. // Afastar-se da luz gera abismos. / Afastar-se de si não muda a sombra: / fica-se à deriva”.
O diálogo com Drummond estabelece-se tanto na referência ao uso da memória quanto na entonação e na semântica do discurso. De forma diferente aparece Cabral: o poeta pernambucano oferece mote para um poema que lhe é paródico. Paródico enquanto “canto paralelo” na feliz acepção que lhe emprestou Haroldo de Campos.
Dizer que Via férrea é caminho para um único poema é tomar o livro por aquilo que ele tem de mais explícito. E menos rico. A sagacidade do volume está nas reentrâncias de um entre-lugar que oscila entre o esboçado, o entrevisto e a passagem. Melhor: a transição propriamente dita, já que a tarde é tema recorrente da obra.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 07 de novembro de 2014, p. B-7.
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