![Líria Porto](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgLNEQrqFdY7eR77U5rQidrw3FrUyYXBdsrE-_xjA8jZ3uIcmHSf7PdCyj3rU9YJODekSVjB9xVHHOWeib0zGKWuGBIt4od4Q4KkRFPifWE8TGcZld79PUHRIZqGRltL7tzQQNpQIeF-c8/s1600/liria-porto-poesia.jpg)
por Amador Ribeiro Neto
A poeta Líria Porto (Araguari-MG, 1945) publicou Borboleta desfolhada (2009), De lua (2009), ambos em Portugal, Garimpo (2012) e Asa de passarinho (2014) pela Editora Lê, de Belo Horizonte. Os dois últimos, dedicados ao público infantil. Asa de passarinho é um livro que fala de bichos, águas, homem, liberdade e tempo. Tudo numa linguagem suave e sublime. Como só o lirismo delicado e penetrante de Líria Porto sabe ser e fazer. Pra combinar, traz ilustrações de grande beleza assinadas por Silvana de Menezes.
Lendo Asas de passarinho veio-me o poeta e romancista espanhol Ramón Gomez de la Serna (1888-1963), criador das “greguerías”, textos curtos com toque reflexivo bem humorado. Ou, como ele mesmo diz, “o atrevimento de tentar definir o que não pode ser definido”. É dele a frase: “O livro é um pássaro com mais de cem asas para voar”. “Asas para voar”: a redundância, tomada como nova informação, torna-se chistosa.
Líria Porto parece ter algo em comum com Gomes de la Serna. Sabe recortar o novo do senso comum. Sabe desentranhar o poético do usual. Sabe inserir a crítica no cerne da criação. Tudo com admirável condensação de ideias, imagens e sons.
Ler sua poesia é voar e levar consigo o peso do corpo. Não é viagem dentro do nada. É viagem no espaço sideral. Por entre astros, estrelas e imaginário provocados. “Sei voar e tenho as fibras tensas” canta Caetano, como se estivesse resenhando a poesia de Asa de passarinho.
Líria Porto tem o dom de cutucar o leitor, mirim e adulto, com fagulhas de palavras incendiadas pela alegria de viver. E pelas brasas de versos que ateiam ações e despertam a vontade de viver.
É que há uma militância em sua poesia. Mas não é aquela esvaziada pelo didatismo. Nem pela arrogância das persuasões. Ela sabe que o que vale para o poeta é a linguagem. De nada adianta o inflamado discurso engagée se algum tempo depois ele próprio dana-se, morro abaixo, nas forças do Tempo e da História. Datado. Vencido.
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Em “Cachoeira” o rio do tempo também se mostra contestador: “Serpenteia, / faz curva, / muda o rumo, / quando sente / que o impedem / de andar. // Todo rio / que se preze / fecha os olhos / e pula”. O salto do rio, no escuro, desaguando em cachoeira, é prenhe de significações. E o ritmo dos versos, intercambiando três e duas sílabas, iconiza estes momentos/movimentos de superação.
O nonsense, recurso tão caro aos universos infantil e poético, está presente em “Desperdiçado de cor”: “O que mais tenho vontade / é de rasgar ao meio a tarde / pra guardar o azul / no bolso”. O sublime agasalhado na roupa em forma de poesia. Líria Porto é poeta encantada. E sabe como encantar seus leitores.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 14 de novembro de 2014, p. B-7.
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