quinta-feira, 30 de outubro de 2014
Poesia de guardanapo e Facebook
por Amador Ribeiro Neto
Pedro Gabriel nasceu em 1984, na África, filho de um suíço com uma brasileira. Vive no Rio e adora os bares cariocas. Publicou Eu me chamo Antônio (Rio de Janeiro: Editora Intríseca), um best-seller.
O livro é uma compilação de desenhos e versos feitos a caneta hidrográfica em guardanapos dos bares e depois publicados no Facebook. Em menos de um ano Pedro Gabriel conseguiu o prodígio de ter mais de 300.000 seguidores.
O fato comprova que a “poesia” contemporânea usa e abusa dos trocadilhos boçais. E de uma visualidade supostamente advinda da poesia concreta.
A quarta capa avisa: trata-se de um volume com “grandes doses de irreverência e pitadas de poesia”. Irreverência? Prefiro dizer subserviência ao mercado editorial de facilidades, pressa e comunicação barata. Pitadas de poesia? Nem isto: há apenas uma mínima porção poética aqui. Aquela que existe enquanto intenção de fazer. E que não se realiza.
Vejamos alguns exemplos colhidos ao acaso: “Estou passando por uma frase difícil”. E, para completar o desastre verbal, quem profere tal desdita é o coração de um paciente estirado no divã. Caso para psicanálise? O leitor decida.
A bela canção de João Bosco e Aldir Blanc, imortalizada por Elis Regina, é parodiada: “Na dança do amor: dor pra cá, dor pra lá”. Pra completar a cena, a foto de um casal moderninho ensaiando um passo de tango. Dói na alma. Dói no corpo.
Claro que a moda da autoajuda não poderia ficar fora deste livro: “Sonhe alto. O máximo que pode acontecer é você realizar um sonho à altura”. “O amor não dá pontos sem nós”. Trocadilhos baratos. Ponderações pífias. Autoajuda adolescente.
Outro: “Amores sempre vêm e vão, mas nunca vêm em vão”. Que armadilha mais inútil de assonâncias e aliterações. A não ser que se considere válido todo e qualquer trocadilho. Aí, vamos combinar: ser beócio é a chave de entrada no mundo da poesia de Facebook.
Estas frases são desenhadas nos guardanapos de bar como se fossem grafitadas nos muros da cidade. É possível estabelecer relação entre o jovem poeta boêmio e o rapaz grafiteiro? Não: soaria falso. Seria dourar a pílula. Os grafites são anos-luz melhores que as “sacações” de Eu me chamo Antônio.
Na apresentação do livro Pedro Gabriel diz duas coisas relevantes: 1. “É assim, nesse botequim, / Sem pretensão alguma de ser poesia / Que nasceu a minha poesia”. É o próprio poeta quem avisa. Bobo quem não acredita nele. 2. “Às vezes bebo além da conta e minha letra acaba perdendo um pouquinho de sobriedade também”. Se fosse apenas a caligrafia que perdesse a forma, nenhum problema. Sua “poesia’ não tem forma. Logo, nem existe.
Pra finalizar: “Me amasse como se eu te amasse também”. “De não em não o amor enche o saco”. “O amor só termina quando não começa”. “Um grande amor não tem tamanho”. Basta. Pedro Gabriel emparelha-se com as Angélicas Freitas, os Gregórios Duvivier, as Brunas Beber, os Fabrícios Corsaletti. Fim.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 27 de outubro de 2014, p. B-7.
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