quinta-feira, 29 de maio de 2014

Poesia de fino requinte



por Amador Ribeiro Neto

Escrever poesia para o público infantojuvenil não é das mais fáceis tarefas. Na verdade, é um desafio e tanto. Isto porque tem de se conseguir manter acesa a curiosidade do leitor e ainda instigá-lo a imaginar para além do dito, do sugerido e da ilustração apresentada.

Em Chá de sumiço e outros poemas assombrados, de André Ricardo Aguiar (Belo Horizonte: Editora Autêntica) esta função é desenvolvia mais que a contento: com prazer assegurado.

Neste livro o poeta, em quase todos os poemas, parte de um dito popular, de uma máxima, de um clichê e os inverte com fino humor e grande poeticidade. Isto se deve à suavidade que André Ricardo manifesta ao lidar com a palavra.

Ele a toma como um brinquedo. Sua pegada é lúdica. Resultado: leveza. Ou seja, este poeta conhece o caminho que encanta o leitor. Infantojuvenil ou adulto. Por isto mesmo, cada poema é fruição plena.

Talvez pela experiência com outros trabalhos destinados ao público infantojuvenil, talvez por ser um poeta “de adultos”, talvez por seu tino jornalístico, talvez por sua contística, talvez por tudo isto junto. O fato é que este livro cativa.

Fugir de sua leitura é uma tarefa muito difícil. Chego a duvidar de quem diga que conseguiu. Claro: à parte os “chato-boys” que nunca deixam as paradas de insucessos.

Complementando/completando a poesia estão as ilustrações de Luyse Costa. Ela dialoga com a palavra e cria um lugar de “ver e imaginar” a poesia. Seu trabalho não se resume à ilustração: é também uma leitura interpretativa sob a forma de linhas e cores. Por vezes as linhas, por vezes as cores, dão a tessitura e materializam a beleza dos versos numa feliz cumplicidade entre poesia e ilustração.

Vamos a dois poemas. Inicialmente, o que empresta seu título ao livro: “Fantasminha / não gosta de tomar café: / pode manchar o lençol. // Não vai correr este risco. // Ele prefere mesmo / tomar chá / de sumiço”. Inicialmente há a associação da imagem do fantasma com a do lençol, um objeto de uso corriqueiro e que aproxima o sobrenatural do cotidiano do leitor. Gera-se uma cumplicidade que desmonta e brinca com o sentimento do medo.

Depois vem a imagem, também cotidiana, de tomar café. Isto porque café pode sujar o lençol. Bem, de novo o fantasma fica mais camarada. E então, ele prefere chá? Sim, diz o poeta, mas “chá de sumiço”. Insere um desvio na expectativa do leitor. E assim, a poesia se apresenta ensopada de humor. O leitor se diverte, maravilhado. O medo sumiu. A festa da poesia-alegria fica em seu lugar.

Outro: “Sono do morcego”: “Que nó cego / é o sono do morcego / com essa mania de pingente! // É da sua laia / sempre dormir neste estilo / tomara que caia”. O jogo de vogais fechadas e abertas confere ao poema o equilíbrio delicado do sono do morcego. “Nó”, “cego”, “é”, “essa”: sequência de abertas, afunila-se em “sempre”, “neste”, “pingente”: fechadas. No meio delas infiltram-se timbres graves e agudos de “mania”, “laia”, “estilo”, “tomara”, “caia”. A imagem do morcego, dormindo por um triz, é desenhada pelos sons que o poeta escolhe tão bem. Fina poesia.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 23 de maio de 2014, p. 7.

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