Do papel # 24
Texto da Revista Bravo! com os (pela revista considerados) 100 filmes essenciais da história do cinema. Clique nas imagens abaixo para ampliar as páginas da revista.
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O Poderoso Chefão - Francis Ford Coppola
Revista Bravo! Especial 100 Filmes Essenciais da História do Cinema (3ª edição, 2009)
O Poderoso Chefão é fruto do casamento entre duas tradições de cinema distintas, a da Hollywood industrial com o filme de arte europeu. Em termos práticos, um grande estúdio financiou a criação extremamente autoral de Francis Ford Coppola, que, ao mesmo tempo, cumpria as exigências de um produto comercial.
A Paramount, nos anos 1970, momento em que os grandes estúdios trabalhavam sem as regras rígidas do período de ouro (entre os anos 1920 e 1950), estava francamente aberta aos novos cineastas e deu a chance para Coppola demonstrar do que era capaz. Ele dirigiu com o mesmo afinco que teria se estivesse sob a vigia dos executivos da casa; se falhasse, eles o teriam substituído.
Mesmo nesse clima tenso, o cineasta conseguiu verter em imagens o romance homônimo de Mario Puzo, que mostra a saga de Vito Corleone (Marlon Brando) na América, lutando para manter intacto o núcleo familiar — que ultrapassa parentes e se estende aos seus protegidos. Não é um trabalho fácil como sugere o semblante sereno do chefão, que até na primeira sequência, durante o casamento da filha, recebe seus clientes e assiste brevemente a festa.
A luta em defesa da família, driblando os mais violentos atentados e sangrentas traições, (algo que o filme mostra em cenas de grande impacto), é transferida, por força das circunstâncias, para o caçula Michael (Al Pacino), que primeiramente rejeita ser o novo "padrinho", mas logo afundará nos "negócios", empurrado pelo destino.
Coppola dá especial ênfase a esse drama que lembra muito grandes óperas, em que os personagens sofrem com as reviravoltas da vida. Isso dá a Vito uma imagem forte, mas é Michael a grande figura do primeiro filme da trilogia. O diretor também consegue um milagre: trazer para dentro de uma produção de modelo comercial alguns elementos da vida pessoal. Seu pai, Carmine Coppola, compôs a trilha sonora, e parentes participam do elenco (como sua filha, Sofia, na época ainda bebê e hoje também diretora de cinema). Essa cultura italiana, bem conhecida por Francis Ford Coppola, é levada ao longa nos momentos quase "documentais" que apresentam danças e costumes europeus. Apesar de se passar entre os anos 1940 e 1950, o filme foi todo rodado em locações artesanalmente caracterizadas, jamais em cenários. A fotografia de Gordon Willis, meio dourada, com iluminação de cima para baixo, fez escola: todas as produções de época realizadas a partir dali usariam tal estilização.
Coppola ainda conseguiu conectar sua obra à urgência política do momento, e ele próprio revelou posteriormente que o Michael desconfiado e paranoico é um retrato do ex-presidente americano Richard Nixon. A Academia, impressionada com o lado espetacular do drama dos Corleone, deu-lhe os prêmios de Melhor Filme, Ator (Marlon Brando) e Roteiro Adaptado.
As raras críticas apontaram o tratamento simpatizante, legitimador e glamoroso com que o filme trata a máfia. Em 1974, Coppola prosseguiu narrando a saga da família em O Poderoso Chefão: Parte 2, no qual Robert De Niro fez o papel do jovem Vito Corleone, e Michael é mostrado, em 1959, ainda mais severo. Os personagens retornam em O Poderoso Chefão: Parte 3 (1990), que mostra o herdeiro dos Corleone envelhecido, nos anos 1970.
Marlon Brando improvisou em teste
Al Pacino só foi aceito pelos produtores de O Poderoso Chefão depois de eles assistirem à famosa sequência do assassinato no restaurante (onde Michael, tenso e ainda bom-moço, tem de executar um traidor). Mas a pior reclamação que Coppola poderia suportar era a exigência de que Marlon Brando fosse submetido a um teste antes de ser aceito para desempenhar Vito Corleone.
O jovem diretor, com pouco tempo de cinema, jamais trataria aquele que era o melhor ator do mundo como um estreante. Em vez das falas previamente ensaiadas, Coppola deixou-o fazer seu próprio improviso. Brando, então, engordou as bochehas com enchimento e utilizou tudo o que aprendera e o havia consagrado em filmes anteriores. O resultado do "teste" é o que foi visto mais tarde, na tela dos cinemas, com ele apenas maquiado.
Brando ganharia o Oscar por seu papel, mas, em seu lugar, na cerimônia de entrega, subiu ao palco com uma atriz se fazendo passar por índia. Era seu protesto à política anti-indígena do governo americano. Sem maquiagem, mas com muito ensaio.
Os filhos do Chefão
Nos anos 1970, os filmes de gângster, cujo apogeu aconteceu entre 1930 e 1950, com obras como Scarface - A Vergonha de uma Nação (1932), de Howards Hawks, e o noir Os Assassinos (1946), de Robert Siodmak, estavam em baixa. Mais ainda as histórias de máfia, nicho específico do gênero. Al Capone, por exemplo, era um personagem lembrado apenas pela série televisiva Os Intocáveis. Após O Poderoso Chefão, Ben Gazzara encarnou o célebre ciminoso em Capone - O Gângster (1975), de Steve Carver. Em 1983, Brian De Palma refilmou Scarface e, quatro anos depois, levou para a tela grande Os Intocáveis.
Martin Scorsese, mais "democrático", sempre optou pelo baixo clero mafioso, com os bandidos. retratados em Caminhos Perigosos (1973) e Os Bons Companheiros (1990). Em seu mais recente filme, Os Infiltrados (2006) aborda a máfia irlandesa.
Sam Mendes é quem dialogou com a obra de Coppola. Em Estrada para Perdição (2002), o drama do pai feito por Tom Hanks surge quando ele rompe com a família, caminho oposto ao de Michael Corleone.
O Poderoso Chefão / The Godfather
Diretor: Francis Ford Coppola
Estados Unidos (1972).
Bravo! Especial - 2009
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