quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Um pouco sobre Nelson Rodrigues

Grifo nosso # 40

"Aplausos, críticas, vaias, elogios, indiferença, censura. Nelson Rodrigues conheceu um pouco de tudo ao longo de sua carreira. Apesar de acreditar que sua vocação era o romance, gênero que lia compulsivamente desde menino, resolveu escrever uma comédia para arranjar algum dinheiro, diante das dificuldades encontradas no início de sua carreira de jornalista. As marcas da infância e juventude acabaram por determinar sua produção teatral. O que seria cômico se transformou em drama terrível, e provavelmente poderia ser explicado por suas trágicas perdas familiares na juventude. Mas o que se evidenciava acima de tudo era sua verdadeira vocação: a elaboração de uma dramaturgia que revolucionaria o teatro brasileiro.

O texto polêmico e inovador do dramaturgo balançou os alicerces da sociedade brasileira da década de 1940, da crítica, da plateia, da intelectualidade, do governo. Dividindo opiniões e provocando debate, Nelson Rodrigues mudou o teatro que era feito no Brasil. A sátira à boa e velha moral e aos ditos bons costumes constituía a essência do texto rodriguiano. O público, acostumado a comédias, dramalhões e peças musicadas, escandalizava-se com tantos incestos, ódios, obsessões, taras traições e conflitos. Ao levar o oculto, o inconsciente, a 'imoralidade' da mente humana para o palco, Nelson foi chamado de tarado, incestuoso, pervertido. Críticos e amigos lhe apelidaram de 'flor de obsessão', por conta das ideias fixas que lhe povoavam o espírito. Muitas vezes incompreendido, outras vezes louvado, Nelson foi contruindo sua obra teatral. Mudou de estilo, fez duras críticas à realidade social, derrubou dogmas, provocou, fez graça, descortinou o subúrbio carioca e consolidou o teatro brasileiro, tornando-o conhecido mundialmente.

E não foi apenas pela temática tabu que a obra de Nelson foi decisiva na consolidação de um novo paradigma para o teatro. Sua compreensão e utilização dos recursos teatrais bem como as inovações que introduzia na tradição clássica da tragédia indicavam que ali estava um autor genial, logo reconhecido pelos mais importantes atores e diretores da época como Ziembinski, Fernando Torres, Kleber dos Santos, Vanda Lacerda, Itália Fausta, Nathalia Timberg, Fernanda Montenegro e Ítalo Rossi.

Nelson Rodrigues escreveu 17 peças ao longo de quase quarenta anos. A primeira reunião de sua obra teatral foi publicada pelas Edições Tempo Brasileiro, na década de 1960, e se intitulava Teatro quase completo de Nelson Rodrigues. Dividida em quatro volumes, a publicação seguia a ordem cronológica das 15 peças então escritas pelo autor. Suas duas últimas peças, Anti-Nelson Rodrigues (1973) e A serpente (1978), criadas posteriormente, foram publicadas em reunião com as outras 15 na edição do Teatro completo de Nelson Rodrigues lançada pela Nova Fronteira nas décadas de 1980/1990 [e em nova edição nos anos 2000].

(...)

Nelson, o 'tarado, pervertido, incestuoso', o destruidor da família, da sociedade e dos bons costumes, revela-se hoje um autor cuja obra é 'digna de imitação', 'foi consagrada pelo tempo', 'é da mais alta qualidade', tais as definições que se podem encontrar para esse adjetivo. Mas, acima de tudo, Nelson Rodrigues é hoje um clássico porque seu olhar crítico e seu estilo transbordaram a época na qual se inscreviam e chegaram até nós com a mesma contundência e genialidade. Esse amálgama de perenidade e transformação expande os limites do teatro de Nelson Rodrigues e renova sempre como um espaço de reconhecimento do Brasil e do humano."
julho de 2004
____
Nota do editor, na edição Teatro completo de Nelson Rodrigues (Nova Fronteira, 2004).

Em mais uma postagem nossa no dia do centenário de Nelson Rodrigues.
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário