por Ythallo Rodrigues
De alguns anos, quando no início da minha formação em cinema, no curso que fiz na Escola de Audiovisual de Fortaleza, tenho até hoje guardado na lembrança um dia (na verdade noite) ainda muito forte. Era uma sessão no cineclube “obrigatório” para nós alunos, e o filme que iria passar naquela noite, seria No tempo das diligências (Stagecoach, 1939), do cineasta americano, John Ford. Pois bem, e o que teria de especial numa sessão dessas? Uma coisa aparentemente muito comum, que em uma escola que estava num processo de formação, exibisse em seu cineclube um dos grandes clássicos da história do cinema.
Mas na nossa turma existia um grupo, e me insiro nele, que queria polemizar um pouco toda essa história de filmes clássicos. Agora falando por mim. Naquele período eu estava num processo de encantamento muito forte com cineastas que eram colocados à margem da tal história oficial do cinema, e eu achava engraçado uma coisa: sempre que falavam para nós, sobre história do cinema, o que tínhamos, de fato, era a história do cinema narrativo, e pensava comigo, mas o cinema durante todo o seu percurso histórico nem sempre fora narrativo e digo mais, que o cinema como invenção não “nasce” narrativo. Enfim, aquele fora um período em que eu e muitos amigos, estávamos debruçados sobre a cinematografia de Stanley Brakhage, Peter Kubelka, Maya Deren, Bill Viola, Michael Snow e tantos outros, que íamos procurando e encontrando na internet ou no acervo de algum professor. Esse cinema, era naquele momento o nosso “estado de graça”.
E onde entra o John Ford, nessa confusão toda? É justamente neste contexto que a mim foram apresentados, através dessa dinâmica da história do cinema narrativo, cineastas como D. W. Griffith, Robert Wiene (expressionismo alemão), Sergei Eisentein (cinema soviético), Orson Welles, Michael Curtiz, e claro John Ford. Lembro-me que fazia questão de enfatizar entre os amigos, a necessidade de desprezar o cinema norte-americano (aquele cinema hegemônico, que destruía todas as outras cinematografias, devido o seu poderio econômico e sua dominação dos mercados), enfim era um posicionamento político, que posteriormente, não se sustentaria tendo em vista a importância da cinematografia estadunidense, para o que hoje eu tento formatar na minha cabeça como sendo uma enorme história do cinema e suas singulares cinematografias ao redor do mundo. Claro que já naquela época eu conhecia alguns cineastas, desse cinema narrativo, que foram muito importantes para minha primeira formação (muito antes até da Escola de Audiovisual), tais quais Stanley Kubrick, Glauber Rocha, Michelangelo Antonioni, Federico Fellini, Ingmar Bergman e etc, no entanto fora de qualquer estudo mais objetivo e sem qualquer perspectiva diacrônica dos estudos do cinema.
Especificamente na sessão de No tempo das diligências, recordo-me que fui ver com um grande sentimento de não-querer-ir, mas fui, pensando em sair da sessão e gritar para todo mundo, que aquele cinema era um lixo, que aquela hegemonia tinha que acabar, que tínhamos que nos concentrar na cinematografia brasileira (algo que ainda acredito), ou nos cinemas não-narrativos, ou seja, o meu discurso já estava pré-formatado antes mesmo de ver o filme. No entanto, eis que começa a sessão, silêncio na sala, um profundo silêncio interior também me absorve. Um sentimento paradoxal, toma conta de mim, aquilo que surge na minha frente, cala passivamente todo o meu discurso grandiloquente. Surge então “THE END”, sobre a imagem de uma estrada que num horizonte distante parece se tocar às imensas nuvens, e por aquele caminho passa uma carroça com um casal que segue feliz o seu destino de grandes desbravadores e criadores daquela mitologia do oeste dos Estados Unidos. Surgem os nomes do elenco e seus respectivos personagens, Dallas (Claire Trevor) e Ringo Kid (John Wayne), eram os personagens da última imagem.
Com este filme e com este cineasta eu começava realmente a aprender no meu curso de cinema. Aquela talvez tenha sido uma grande primeira lição: eu nada sabia. E dali pra frente, obviamente sem nunca abandonar a minha profunda admiração por aqueles cineastas que hoje chamo de não-narrativos, tento conhecer as mais diversas cinematografias, geralmente de cinema narrativo, para só então criar panoramas pessoais de amor ou de ódio.
E sobre a Mostra John Ford? Bem, fiquei muito feliz a primeira vez que Elvis Pinheiro (que tem um trabalho fabuloso de seleção e exibição de filmes em instituições culturais aqui no Cariri) me falou dessa possibilidade, há alguns meses atrás. E ficava pensando cá com meus botões, que fantástico a possibilidade de ver um ou dois filmes do John Ford, numa tela grande. Confesso que fiquei bem animado com a ideia. No entanto, eis que há algumas semanas o próprio Elvis anuncia em alto e bom som, durante um dos nossos encontros do Grupo de Estudos em Cinema, que iriam passar ONZE filmes do John Ford. Se eu já estava feliz, fiquei muito mais, e queria gritar para todo mundo (agora já não mais contra a obra do mestre John Ford, mas sim totalmente a favor), que isso estaria acontecendo aqui no Cariri, um lugar que sequer possui uma sala de cinema em funcionamento e que é tão carente por um espaço em que se possa ver ou conhecer um pouco da cinematografia, de forma mais consistente, de algum grande cineasta.
Nesta Mostra John Ford serão exibidos desde grandes clássicos como o já tão citado acima No tempo das diligências (Stagecoach, 1939), Vinhas da Ira (The grapes of wrath, 1940), Rastros de ódio (The seachers, 1956) e O homem que matou o facínora (The man who shot Liberty Valance, 1962), até filmes sem tanta fama, mas não menos importantes como A mocidade de Lincoln (Young Mr. Lincoln, 1939) e Juiz Priest (Judge Priest, 1934). Enfim, serão sessões, ao meu ver, memoráveis e muito intensas, espero que não só para mim.
Abaixo programação completa da Mostra John Ford
Cinemarana do SESC Crato-CE, segunda-feira, 20 de agosto, às 19h
Médico e Amante (Arrowsmith, Dir. John Ford, EUA, 1931, 108min)
Cinemarana do SESC Crato-CE, segunda-feira, 27 de agosto, às 19h
Juiz Priest (Judge Priest, Dir. John Ford, EUA, 1934, 80min)
Cinemarana do SESC Crato-CE, segunda-feira, 03 de setembro, às 19h
Nas águas do rio (Steamboat round the bend, Dir. John Ford, EUA, 1935, 81min)
Cinemarana do SESC Crato-CE, segunda-feira, 10 de setembro, às 19h
O prisioneiro da ilha dos tubarões (The prisoner of shark island, Dir. John Ford, EUA, 1936, 96min)
Cinemarana do SESC Crato-CE, segunda-feira, 17 de setembro, às 19h
A mocidade de Lincoln (Young Mr. Lincoln, Dir. John Ford, EUA, 1939, 100min)
Cinemarana do SESC Crato-CE, segunda-feira, 24 de setembro, às 19h
No tempo das diligências (Stagecoach, Dir. John Ford, EUA, 1939, 96min)
Cinemarana do SESC Crato-CE, segunda-feira, 01 de outrubro, às 19h
Vinhas da ira (The grapes of wrath, Dir. John Ford, EUA, 1940, 128min)
Cinemarana do SESC Crato-CE, segunda-feira, 08 de outubro, às 19h
Domínio de bárbaros (The fugitive, Dir. John Ford, EUA, 1947, 104min)
Cinemarana do SESC Crato-CE, segunda-feira, 15 de outubro, às 19h
Sangue por glória (What price glory, Dir. John Ford, EUA, 1952, 111min)
Cinemarana do SESC Crato-CE, segunda-feira, 22 de outubro, às 19h
Rastros de ódio (The searchers, Dir. John Ford, EUA, 1956, 119min)
Cinemarana do SESC Crato-CE, segunda-feira, 29 de outubro, às 19h
O homem que matou o facínora (The man who shot Liberty Valance, Dir. John Ford, EUA, 1962, 123min)
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