segunda-feira, 17 de outubro de 2016

‘Pergunta de moradô’, de Geraldo Gonçalves de Alencar, e ‘Resposta de patrão’, de Patativa do Assaré




Pergunta de moradô
Autor: Geraldo Gonçalves de Alencar

Meu patrão, não tenho nada,
O sinhô de tudo tem,
Porém a razão de cada
É coisa que me convém.
Meu patrão tem boa vida,
Tem gado, loja surtida,
Farinha, mio e feijão,
Já eu não pissuio nada
Vivo de mão calejada
Na roça de meu patrão.

Meu patrão, seja sincero,
Seja franco, honesto, exato,
Preguntando assim não quero
Metê a mão em seu prato;
O que desejo sabê
Pode o sinhô me dizê
Sem medo e sem afrição,
Pode sê firme e sincero
Lhe juro como não quero
Usá de tapiação.

Fale sero sem tapiá
Certo cumo a exatidão,
Qué que meu patrão fazia
Se eu passasse a sê patrão
E meu patrão de repente
Tomasse a minha patente
De cativo moradô,
Morando numa paioça
Trabaiando em minha roça
Sendo meu trabaiadô?

E enquanto no meu roçado
Tratasse do meu legume
Me visse todo equipado
Todo pronto de prefume
Entrá pra dentro dum carro
Sem oiá seu sacrifiço
E o sinhô se acabrunhando
Trabaiando, trabaiando,
Acabando meu serviço?

Qué que meu patrão fazia
Se fosse meu moradô
Trabaiando todo dia
Bem por fora do valô?
Me vendo num palacete
Sabureando banquete
Daqueles que o sinhô come
E o sinhô no meu roçado
Trabaiando no alugado
Doente e passando fome?

Qué que meu patrão fazia
Nessas condição assim
Trabaiando todo dia
Num sacrifiço sem fim,
Sem obtê risurtado
Daquele grande roçado
Onde muito trabaiô,
O sinhô não se desgoste
Se fô possive arresposte,
O que fazia o sinhô?
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Resposta de patrão
Autor: Patativa do Assaré

O que você perguntou,
Pobre infeliz agregado,
Com a resposta que eu dou
Ficará mais humilhado.
Se você fosse o patrão
E eu na sua sujeição,
Seria um estado horrendo
O meu grande padecer
E teria que fazer
O que você está fazendo.

Porém, eu tenho cuidado,
Meus planos sempre são certos
E o povo tem um ditado
Que o mundo é dos mais espertos;
Eu fui um menino pobre
Mas sempre arranjava cobre
No meu papel de estradeiro.
Esta tal honestidade
É contra a felicidade
De quem quer juntar dinheiro.

No papel de mexerico
Tirei primeiro lugar,
Fui o leva-e-traz do rico
Que vive a politicar,
Quando fiado eu comprava,
Depois a conta eu negava
E nunca me saí mal,
E pra fazer mão de gato,
Em favor de candidato,
Já fui cabo eleitoral.

Roubar no peso e medida
Sem o freguês perceber,
Foi coisa que em minha vida
Nunca deixei de fazer;
Com a minha inteligência
Repleta de experiência
Eu sempre me saí bem,
Assim eu fui pelejando,
Me virando, me virando
E hoje sou rico também.

Tenho fazenda de gado,
Tenho grande agricultura
E é à custa do agregado
Que eu faço grande fartura,
Toda vida eu me preparo
Para sempre vender caro
E sempre comprar barato
E o voto dos eleitores,
Que são os meus moradores
Eu vendo ao meu candidato.

Hoje, sou homem do meio,
Tenho o nome no jornal,
Tenho carro de passeio
E frequento a capital;
Se um homem ao outro explora,
Sei que ninguém ignora,
É fraqueza da matéria
E você, pobre agregado,
Tem que me escutar calado
E se acabar na miséria.

Me pergunta o que eu faria
Se eu fosse seu morador
Trabalhando todo dia
Bem por fora do valor!
E pergunta com o gesto
De quem é correto e honesto,
Porém, você está sabendo
Que em minha terra morando,
Passa a vida me pagando
E vai morrer me devendo.

Com a minha habilidade
Eu me defendo e me vingo,
Expondo minha verdade
Acabo seu choromingo,
Quando você perguntava
Achou que me encabulava
Com o seu grande clamor,
Mas tomou errado o bonde,
É assim que patrão responde
Pergunta de morador.
____

No livro Ispinho e Fulô, de Patativa do Assaré (1988).

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