quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Mães recém-nascidas



por Débora Costa

Quando tive meu filho, eu passei a procurar filmes sobre essa vivência do pós-parto, e resultou que não encontrei muitos. De início, fiquei surpresa, mas logo, refletindo sobre, percebi que não podia ser diferente, o puerpério* é um tabu e falarei sobre isso mais adiante. Bom, um filme que surgia direto nas minhas buscas, foi O Estranho em Mim [Das Fremde in Mir, 2008]. É um longa alemão, dirigido por uma mulher, Emily Atef, que relata, de modo bem didático, uma experiência de depressão pós-parto. Escolhi ele para servir de pano de fundo para essa conversa.

Por que seria difícil falar sobre o que acontece depois do nascimento do bebê? Eu diria que temem desconstruir o famoso “instinto materno”. A sociedade acredita piamente que existe a maternagem inata: o bebê nasceu, a mãe já o ama incondicional e instantaneamente. O que é uma falácia, na maioria dos casos. No filme, conhecemos Rebecca (lindamente interpretada por Susanne Wolff), que tem o seu filhinho tão esperado, mas que não consegue lidar com ele depois de nascido, diante das expectativas que tinha. Pior, não consegue ao menos lidar com esses sentimentos dentro dela, não consegue sequer refletir sobre eles. Ao parir, Rebecca também se deu à luz, e o parto dói: a dor de ser mãe, o luto por aquela mulher antes da gravidez, a queda da idealização. Mas não só isso, ela o rejeita e também tudo mais que a rodeia: trabalho, marido, amigos. Ela entra em uma tristeza profunda, algo inconcebível para uma mulher que acabou de ganhar um bebê. E a cada cena só piora, e a angústia vai nos consumindo a cada minuto do longa, pois presenciamos, de forma bem crua, a depressão se instalar.

A relação da mãe com o bebê é muito intensa e tão avassaladora que é comum que esse momento não seja maravilhosamente mágico como se imaginava. A sensação de solidão e desamparo é tão recorrente que fico muito incomodada de não se falar dela. Minha gente, a mãe também precisa ser cuidada enquanto cuida. Uma das coisas julgadas como mais terríveis é não amar o filho ou não o colocar como o maior bem de sua vida de imediato, logo, ao se ver nessa situação, Rebecca se cala e assim só piora seu quadro, passando a cogitar a morte, tanto a do recém-nascido, quanto a sua.

Sempre quando eu penso nesse momento em que estou e que Rebecca também estava, na pós-chegada da cria, noto a importância do apoio e acolhimento dos que estão ao nosso redor, para a nossa sanidade. É necessário quebrar ao meio essa ideia de que nascemos prontas para ser mães e que o amor é imediato, pois não é assim. O amor pelo filho é realmente imenso e indescritível, mas ele é construído paulatinamente, dia após dia. Também é fundamental o cuidado coletivo, todos cuidarem da criança no espaço privado e acolhê-las no espaço público. Olhem com empatia para nós e nossos filhos, nos deem suporte e ouçam nossas histórias. Não somos as mães que vocês imaginam, mas somos mulheres extremamente fortes.

*puerpério: momento pós-parto.
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Débora Costa: uma mãe feminista metida a estudante de Direito, a artista, a produtora e que gosta que só de filme.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 33, de julho de 2016), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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