segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Licença, mas eu gosto de comédia romântica



por Elandia Duarte

Gosto de tantas coisas nesse gênero cinematográfico! Gosto da sensação de possibilidade que ele traz, do acreditar no outro, na beleza de me sentir partilhando afeto e amor. Gosto até dos finais previsíveis, lugar comum que a maioria dos filmes carrega. Gosto dos beijos demorados, das chegadas arrebatadoras e cheias de clichês, das músicas tantas vezes bregas, tantas vezes melosas. E gosto de tudo isso por negar o cotidiano duro e massacrador dos desafetos corriqueiros! Gosto de ter no cinema, ainda que de forma mal elaborada, a visão de que um outro mundo de relações amorosas é possível. Penso que as comédias românticas, em suas plasticidades bregas, me auxiliaram a não endurecer, a não perder a ternura jamais. Depois de tantas desilusões e represálias sofridas no campo amoroso, elas ajudaram e ainda ajudam a seguir acreditando na possibilidade de uma vida conjunta de alteridade e respeito.

Tenho divisão de filmes preferidos para cada decepção ou situação amorosa. E muitas vezes os revejo como pílula curativa para sair do afogamento emocional em que as relações afetivas me jogam. Assim, todas as vezes que invento afeto que só existe na minha cabeça, (eu faço muito isso) eu recorro ao filme-antídoto que me faz sair da cama, deixar o pijama, sair dessa situação e voltar pra vida. Eu revejo a película: Ele não está tão afim de você, isso porque o filme não tem apenas uma versão pra final feliz, têm várias e de várias formas e todas intensas e passiveis de credibilidade. E cada vez que o revejo me identifico com alguém diferente tendo porém, predominância com a Gigi sempre. Estabanada e desajeitada Gigi parece estar em constate busca de si mesma e acaba se jogando em relações falidas e sem a menor perspectiva de partilha. E eu sempre odiei essa aproximação entre eu e ela.

Fato é que precisei tomar essa pílula cinematográfica curativa este fim de semana, e pra piorar minha vida e minha autoestima, constatei que ultimamente sou Gigi 200%. Que coisa mais melancólica e fraca, pensei, ser alguém imaginando, inventando e buscando amor em todos os caras com quem se sai, com quem se conversa pelo WhatsApp, pelo Facebook... Fiquei tão descontente comigo mesma, que me isolei um tanto do mundo, pra refletir sobre mim, ver o que estou fazendo da vida porque né, eu, toda senhora de mim, tão bem resolvida sempre, me ver assim, que decepção!

No meio desse ‘drama’, um amigo muito querido, Ticiano Duarte, sem saber ao certo no que estava opinando me disse: «Por definição o ser humano é um ser frágil. Se ele se supõe forte ele já está demonstrando uma ignorância sobre si. O que é uma fraqueza». Depois disso, revi pela milésima vez o filme e pela primeira vez gostei de ser tão Gigi, ela continua acreditando apesar de... e eu também. Penso apenas que querer alguém do lado pra se sentir exceção, não impede que você se construa bonita pra si! Menos ainda, justifica que se viva apenas em função de ser a exceção pro parceiro, podemos e devemos ser exceção pra nós mesmas.

Freud nos diz que o processo de catarse se vem pela fala, pela exposição de nossas limitações e frustrações, assim talvez, isso aqui seja afinal, apenas uma sessão de análise em forma de texto. Pode ser ainda, que eu sendo poeta, aqui seja meu eu-lírico respirando através da palavra e tudo que aqui vai, seja mentira de uma fingidora que fingi tanto e tão completamente que chega a finge que é dor a dor que deveras sente.

A certeza que tenho apenas é a de que passei um processo bem solitário nos últimos dez dias e agora posso e preciso dizer: não quero deixar que a dureza do mundo e a brutalidade do machismo mudem quem sou. Quero me apaixonar de novo! Quero muito! E por hora já comecei o processo, estou voluntária e conscientemente iniciando uma paquera comigo mesma! Verdade é que está bem complicado, nesse momento inicial estou muito reticente, desconfiada comigo mesma, quase não me permitindo aproximações, parece que fui muito machucada!

Mas não tem nada não, tenho paciência nos afetos e gosto de conquistas demoradas. Vou me levar pra passear, ler alguns poemas e recitar em voz alta pra mim mesma, até viagem já está marcada! Duvido que eu resista por um longo período a esse transbordamento de afeto. Vou me apaixonar e daqui a algum tempo, vocês me verão por aí toda serelepe, feliz e sorridente, apaixonada por mim mesma, e depois de mais algum tempo quem sabe, até partilhando isso com outra pessoa que me queira assim: inteira! Chorando e sorrindo com final feliz de comédia romântica boba e bem clichê! 
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Elandia Duarte possui graduação em pedagogia pela Universidade Regional do Cariri (2008) e Especialização em Arte/Educação pela mesma Instituição. É professora, integrante do Grupo de estudos de Cinema Sétima e colaboradora na revista do grupo que carrega o mesmo nome. Compõe juntamente com mais quatro artistas o Coletivo Diadorins, e por fim, mas não menos importante é poeta e vez ou outra arrisca amadoramente no oficio de atriz.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 33, de julho de 2016), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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