segunda-feira, 28 de março de 2016

Quero ser Charlie Kaufman



por Ravena Monte

Roteirista da fuga, do estranho, do nada óbvio é esse o Charlie Kaufman, que trouxe para o cinema algo nunca visto antes. Sua inovação com os roteiros o fez ser destaque no mundo cinematográfico, podendo ser perceptível uma característica de busca pelo impossível, pelo surreal, pelo autoconhecimento. Com personagens de uma postura marcante, Kaufman atrai e contagia todos que acessam o mundo ou a mente de uma pessoa, que segundo a psicologia seria uma fuga de si mesmo e tem o outro como ser perfeito; imitação do outro. Em Quero ser John Malkovich (1999) essa fuga de si é a principal trama que envolve todo o enredo, onde através de uma passagem secreta, todos podem ter acesso à mente do ator John Malkovich.

Expandindo o (in)consciente humano, Kaufman inova mais uma vez com o filme A natureza quase humana (2001), porém não é tão bem visto pela crítica e assim o torna mais desconhecido, embora a relação de homem-natureza-homem seja transposto de forma singular nesse roteiro; é o homem com seu instinto primitivo em contraponto com o homem feito.

Das capacidades de uma mente humana, delibera a de fazer um filme metalinguístico. É a vez de Kaufman revelar, em Adaptação (2002), seu eu através do personagem do seu irmão gêmeo idêntico, Donald Kaufman (irmão fictício de Kaufman, ao qual o filme é dedicado). Os personagens de Charlie e Donald Kaufman são atuados pelo Nicolas Cage, sendo Donald aspirante à roteirista, querendo saber o que e como faz seu irmão, enquanto o mesmo tenta adaptar um livro para roteiro e assim vive relações de conflito interno, pedido de ajuda dos outros, envolvimento em crimes e sufocos. A relação desses dois irmãos tem como partida a inconveniência até a tentativa de salvação após morte. No mesmo ano é lançado Confissões de uma mente perigosa, tendo como diretor o ator George Clooney. O roteiro se baseia no livro homônimo do Chuck Barris, trazendo uma história de drama, comédia e autobiografia.

Não há como pensar o inimaginável que Charlie Kaufman usa em seus roteiros. São cenas objetivas, cenas poéticas, diálogos contundentes a uma atmosfera além «senso-comum». Charlie é de deixar qualquer um boquiaberto com tanta originalidade e não-repetição de suas verdadeiras obras de arte no cinema.

É com o filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças (2004) que Kaufman conquista seu Oscar de Melhor Roteiro Original, o que já era de se esperar, pois a genialidade dessa história ainda está para ser descrita de forma tão semelhante à essa belíssima produção, a qual me assumo eternamente apaixonada por esse filme.

Sua última produção como roteirista e primeira como diretor foi lançada em 2008, Synecdoche, Nova York, é estrelado por Philip Seymour Hoffman, onde faz o papel de CadenCotard, um diretor de teatro que quer estrear um espetáculo da vida real dele e de todos que nela entraram, replicando a cidade de Nova York em tamanho natural. Porém é uma estreia esperada por muito tempo, onde personagens reais se envolvem com os fictícios e assim retoma a ideia do ser-o-outro. A estreia nunca tem data enquanto sua vida «pessoal» toma destinos diferentes a cada armadilha cênica depositada.

Além do George Clooney, foram também parceiros em seus roteiros os diretores Spike Jonze e Michel Gondry.

Agora é esperar o que esse gênio ainda tem a nos presentear ainda na delícia que é desconfiar do quê e de quem somos. Charlie Kaufman, manda mais uma dose de realidade pra gente!
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Ravena Monte é formada em Letras, poeta, produtora cultural e mais um monte de coisa.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 25, de outubro de 2015), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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