por Amador Ribeiro Neto
A biblioteca universal chegou. O grande livro, soma de todos os livros e bibliotecas, tão almejado, está on line. Está no ciberespaço. O ciberespaço é o espaço com inovações eletrônico-digitais, da cibernética, da computação, da informação, da comunicação. Ele chegou rápido. E rapidamente está mudando comportamentos pessoais, coletivos e socioculturais. Há quem defenda que está mudando até a economia dos povos.
Enfim, podemos dizer: está mudando a linguagem. Sociedade da informação, era do virtual, vida digital, homem semiótico, hipertexto, infopoesia, e-book são realidades instauradas em nosso tempo.
As escritas hipertextuais estão gerando uma escrita de abreviações. Mudando regras da língua. Interferindo nas normas literárias.
O ciberespaço ultrapassa a nossa capacidade de imaginação: E, é claro, nos dá sentimentos de gozo e medo, ao mesmo tempo. Afinal, o novo assusta. “À mente apavora o que ainda não é mesmo velho”, poetisa Caetano numa célebre canção. Já Oswald disse: “A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica”. Língua nova.
Por estas e outras, o novo, o velho, o novelo, está nos envolvendo em cada linha. Em cada palavra. E em cada música. Em cada pensamento. Em cada manifestação. Verbal ou não verbal. Novos saberes. Novos sabores.
Borges um dia declarou: “Dediquei grande parte de minha vida às letras, e creio que uma forma de felicidade é a leitura”.
Literatura: cursor de novos jogos, brincadeiras, armações, engenhos e engenhosidades. A normatividade da língua proíbe. A literatura libera. Apenas proibição ou apenas liberação geral não dão em nada. Ou levam à barbárie. O lance é continuar deixando literatura e língua trocarem seus beijos sem ter conta e sem ter fim.
Literatura: ludismo à mancheia. Exuberância. Pletora sem fim.
Muda-se o meio de produção. Muda-se a mídia de produção. Consequência: altera-se o modo de recepção do objeto literário. Walter Benjamin já nos chama a atenção para a nova mudança da postura, também física do leitor, diante do surgimento do jornal. Agora o leitor lê com o objeto em pé. Diferente do livro, lido sem sempre apoiado em algo baixo. Da mesma forma a tela do computador impõe, não somente mudança na postura física do leitor, como na assimilação das novas mensagens.
Diante de imagens que movimentam-se associadas a sons e cores, o repertório do receptor pede atualização. É a nova realidade que as novas mídias introduzem no cotidiano mais banal.
E o texto literário? Mais que objeto cultural, como pontua o semioticista russo Chklóvski, o texto literário é um processo cultural singular. É desautomatizador. Quebra posturas e expectativas pré-concebidas. Gera novas percepções e apreensões do objeto artístico. E, por que não, do mundo em si.
Como que antecipando as discussões que adviriam, Chklóvski produziu um dos ensaios seminais sobre a arte e seus procedimentos. Ensaio de grande atualidade. Que nos abre janelas em paredes fechadas. Que nos abre portas para novos caminhos.
Em tempos de novos suportes e recursos tecnológicos, a poesia, por exemplo, farta-se nas múltiplas possibilidades de criação face às novas mídias. Estudar as representações daí advindas é um desafio aos seus estudiosos, bem como aos poetas. Arte-ciência-tecnologia imbricam-se, mais que em outras épocas históricas.
O computador é hoje a grande máquina semiótica, afirma Pedro Barbosa, ensaísta português especializado em ciberliteratura. Na tela do computador desfilam signos dos mais variados matizes, questionando as formas de absorção das novas linguagens. Frente a este universo desafiador, a poesia encontra um espaço a mais para as suas sempre renovadoras formas de manifestação.
O computador pede um uso criativo. Então nasce, por exemplo, a poesia digital.
(Este texto é dedicado a Umberto Eco, que me fez pensar arte, ciência e tecnologia num jogo semiótico)
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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