quinta-feira, 16 de julho de 2015
Agora aqui ninguém precisa de si
por Amador Ribeiro Neto
Arnaldo Antunes (São Paulo, 1960) dispensa apresentação. Cito apenas seus títulos em poesia: Ou e (1983), Psia (1986), Tudos (1991), As coisas (1992), Nome (1993), 2 ou + corpos no mesmo espaço (1997), Palavra desordem (2002), ET eu tu (2003), Frases de Tomé aos três anos (2006), N.D.A. (2010). Agora aqui ninguém precisa de si (São Paulo: Companhia das Letras, 2015) é seu mais recente livro.
Ao folhear Agora aqui ninguém precisa de si percebemos que a marca impressa por Arnaldo Antunes na poesia contemporânea continua sólida. Ele é um poeta que toma a palavra, antes de qualquer outra coisa, como matéria concreta de sua poética.
Vale-se de fotos, fotomontagens, grafismos, colagens, diagramações, diferentes fontes gráficas, é fato. Mas, no fundo, a palavra é o cerne de sua poética. Ele a elegeu como signo privilegiado, do qual outros signos provêm. Este é seu grande diferencial. Neste livro, vale-se do grafismo, da poesia visual, da poesia concreta e pós-concreta. E até faz uma inesperada concessão à prosa pela prosa.
Em Palavra desordem (2002), ele toma a prosa em várias modalidades. E sai-se muito bem ao trabalhá-la visualmente com grande limpeza gráfica. Ditados, máximas, citações, etc., são convertidos na linguagem concisa e sensivelmente ambígua da poesia. O livro é um imenso cartaz que se lê manuseando-o de vários modos. Em cada um, uma surpreendente informação.
Na série “prosinhas”, de seu novo livro, Arnaldo Antunes oferece-nos 16 microcontos de questionável qualidade. E que só atrapalham a unidade do volume. Tais “prosinhas”, ou são uma tola investida na prosa mais simplória, ou adesão às bobagens da poesia neomarginal. Vejamos: “O argumento do desalento é que ele mata há mais tempo. Ora, é claro que o cigarro e o carro ficaram muito bravos!”. Com exclamação e tudo, parece ser página de diário de adolescente “que se acha”. Não dá nem pra creditar pretensa ironia a esta pasmaceira. É dispensável.
No entanto, não há malabarismos nem invencionices neste livro. Num dos poemas visuais o poeta anuncia: “todo mundo / mais simples / todo mundo / mais livre”. Eis uma das constantes: o simples, mas experienciado de um outro modo. Como no poema acima, que traz novidade na disposição gráfica. A linguagem de Augusto de Campos, Edgard Braga, José Lino Grünewald, Pedro Xisto e Décio Pignatari é revisitada. O resultado: vasto prazer ao leitor.
Estamos diante de uma poesia polifônica. É preciso calma para ouvir suas muitas vozes e seus muitos silêncios.
José Miguel Wisnik, nas orelhas, pontua: “No centro deste livro de poesia, que começa no nada e termina no silêncio, estão as coisas, mesmo as mais evanescentes”. De fato o livro abre-se com o poema “nada”, que diz: “nada / com um vidro na frente / já é alguma coisa // nada / com um vento batendo / já é alguma coisa // nada / com o tempo passando / já é alguma coisa // mas / não é nada”. E termina com o fotopoema “silêncio”, em que a palavra silêncio afixada à porta desaparece à medida que vai sendo exposto seu negativo. Apenas parcialmente Wisnik acerta. O livro não começa no nada: começa no “mas / não é nada”, versos rigorosamente de asserção e negação ao mesmo tempo. Preciosidade da língua portuguesa. Que o poeta explora no poema final, grafado, no cartaz, sem o circunflexo, o que confere à porta o caráter de coisa-sujeito de primeira pessoa.
Enfim, a poesia de Agora ninguém precisa de si é um “design” em espiral. Abre e fecha com o tudo-nada. Ou nada-tudo. Espiral que se realimenta dos poemas do miolo do livro. Não é à toa que um dos poemas visuais seja a soma das palavras cielo e ciclo, que se fundem numa esfera de espirais. Sem dúvida, o livro possui respeitável projeto poético.
Agora aqui ninguém precisa de si traz à luz o melhor da poesia experimental feita no país hoje. Inquieto, o poeta continua cutucando a palavra para desnudar novos aspectos de seu corpo sempre sedutor. Agora e sempre, precisamos de si, Arnaldo Antunes.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 10 de julho de 2015, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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