quinta-feira, 5 de março de 2015
Poesia de menino
por Amador Ribeiro Neto
Gabriel Resende Santos (Rio de Janeiro, 1994) estreia com Elevador (São Paulo: Editora Patuá, 2014). O livro desaponta desde as primeiras páginas, marcadas pelo excesso de metáforas. Ou por eleger imagens que, acredita-se, sejam “poéticas”. Não são.
O rapaz tem hoje 21 anos. Escreveu seu livro aos 19. E daí? É poesia? Que seja considerada como tal. Se querem avaliar a obra pelo frescor da idade do poeta, não se trata de crítica literária.
O livro fala à beça da cidade. Um bom tema. Fala do cansaço de viver no universo urbano. Ok. Mas poesia não é discurso sobre temas e suas pertinências. Poesia é pertinência da linguagem a temas – sejam eles quais forem. Pouco vale ao leitor dar-se conta de que o volume está dividido segundo os níveis de acesso do elevador. Bobagem.
Gabriel Resende Santos acredita em Whitman e Rimbaud – como diz a parcimoniosa nota biográfica ao fim do livro. No entanto é preciso mais do que acreditar: é preciso saber ler e vencer os grandes poetas. Para ser um.
Ao tomar “Morte do leiteiro”, de Drummond, opera um grande equívoco: na releitura do poema o óbvio é alçado à condição de novo. Tenta-se a paródia, mas ela não passa de esgarçados versos ao léu. Um inócuo exercício.
Em vários momentos a metalinguagem está presente. Mas sem expressão. Observar que “caldeirão é uma palavra de sonoridade péssima” não acrescenta nada. Antes: irrita o leitor cansado de trocadilhos duvidosos.
Nos versos “decadência era / voltar pra casa / antes do irmão / dar boa noite pros pais / engolir uma bisnaga de pão” tem-se um paupérrimo recorte da realidade. Certamente a realidade de um adolescente. Pois que seja endereçada a este público-alvo.
A vertente desastrosa da poesia neomarginal faz-se presente em vários poemas. Ou, ao menos, em vários versos. Como em “uma garota hardcore”: “a felicidade, línguas deslizam, / se veste de preto e pinta o cabelo com / cores primárias. // curte nietzsche desde a quinta série”. Ou neste: “há coisas boas na vida / como acordar e ver o apocalipse / no olho da primeira menina / virando a esquina deixando pegadas de fogo”. O poeta leu Rimbaud ou Chacal?
Uma coisa é certa: Gabriel Resende Santos lança mão de diferentes formas de fazer poesia. Arrisca o soneto, o terceto (seria um haicai?), o poema espacializado. Nada disso alivia as marcas perecíveis de sua poesia que nasce troncha. Quando se aventura pelo poema em prosa, esborracha-se no reles prosaísmo. O título de um deles serve como síntese: “um poema que podia ser um conto”.
Interpretar o elevador como ícone de representações sociais não ajuda em nada na qualidade dos poemas do livro. O poeta desmantela qualquer leitura que ultrapasse a contestação ingênua: “o gosto do sucesso / no elevador social com / certeza que o elevador social / foi feito para me servir e aqueles / que voltam pra casa de sapatos”.
Cito o poema “o fogo” na íntegra: “é uma desimportância”.
Pois é, leitor, o caminho deste Elevador é pra baixo. E desimportante.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 27 de fevereiro de 2015, p. B-7.
Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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