por Luís André Bezerra
Segui a sequência cronológica, vendo Carta de uma desconhecida (Letter from an unknown woman, 1948); Na teia do destino (The reckless moment, 1949); Desejos proibidos (Madame De..., 1953); e, finalmente, Lola Montès (1955).
Baseado no roteiro de Howard Koch (adaptado da novela de Stefan Zweig), Carta de uma desconhecida desperta pelo menos dois tipos de percepção no espectador: vê-lo como uma espécie de melodrama novelesco, contando a história de um «amor impossível»; ou perceber essa mesma história, de encontros e desencontros, sendo contado com uma sutileza, com uma ironia fina e sofisticada. Portanto, a ideia que tenho é que a experiência mais rica está em justamente ter as duas percepções simultaneamente, fazendo com que o «mero melodrama» aponte para a genialidade.
Através da leitura de uma carta que pontua a narrativa em flashback, começando com a espantosa frase «quando você estiver lendo isso, eu estarei morta», é contada a história de Lisa e o amor platônico da jovem pelo músico Stefan Brand, na Viena da virada do século XIX para o XX. Sutilmente os movimentos da câmera e as imagens em preto e branco nos apresentam um romance com contornos dramáticos: a invisibilidade da moça diante do artista; uma posterior aproximação entre os dois; um relacionamento fugaz; e o subsequente (e repentino) afastamento do casal. O desenrolar desses encontros e desencontros são narrados pela carta de maneira comovente, deixando estarrecido o músico (já em decadência), ao mesmo tempo em que o espectador passa a conhecer detalhes surpreendentes da história.
Na teia do destino também apresenta a refinada ironia de Ophüls. Aqui a história tem um clima noir: um assassinato ocorre acidentalmente, o corpo é encontrado pela polícia e uma dona de casa busca apagar qualquer indício que possa apontar o envolvimento dela e de sua filha com o crime. Um «justiceiro» suspeita da dona de casa e passa a chantageá-la, mas aos poucos a história vai apresentando reviravoltas, quando o chantagista começa a mudar seu comportamento em relação à chantageada.
O terceiro filme visto, Desejos proibidos, sugere diálogos com o primeiro, Carta de uma desconhecida. Mais uma vez a sutileza, a refinada ironia e uma grande percepção da vida social. Em Desejos proibidos a riqueza é apresentada em sua vida de aparências, envolta em dívidas, segredos, mentiras, disfarces. A vida pontuada pela ostentação e consumismo reveste a insatisfação nos relacionamentos, os conflitos entre uma ilusão de liberdade e o casamento simbolizado pela posse, pela dominação patriarcal. O «amor impossível» também pontua (através da valsa e seus movimentos) a esperança de uma vida além das barreiras impostas, mas a força das convenções sociais revela sua força opressora e aniquiladora, provocando da dissimulação à sugestão de um duelo armado em nome da honra.
O quarto filme é o último concluído por Max Ophüls — o diretor morreu em 1957, enquanto preparava Montparnasse 19 — e o único colorido da lista, Lola Montès. Vale citar que, devido a questões mercadológicas, diferentes versões da obra foram produzidas, tentando deixar a obra mais acessível ao público, narrando os fatos em ordem cronológica. Mas a versão original, defendida por Ophüls, foi restaurada há poucos anos e já pude conhecer o filme através dessa versão «oficial».
Se os produtores queriam «facilitar» o filme em ordem cronológica, é porque evidentemente o diretor alemão não seguiu essa linha. O filme conta a história da atriz, dançarina e cortesã irlandesa, Lola Montès, que viveu na Europa e nos Estados Unidos no século XIX, despertando a paixão nos amantes e causando as mais diversas polêmicas para a época.
A narrativa apresentada por Ophüls: já decadente, a própria Lola vira atração de circo, matando a curiosidade de todos que queriam saber da sua história e ver o seu corpo. A partir de tal estratégia narrativa, recupera fatos da trajetória da atriz/bailarina, passando por diversas fases, nos mais diversos lugares. Há no filme uma proliferação de elementos, imagens com muitas cores, cenários dos mais variados, tudo de modo preciso e de certa forma suntuoso, para contar a história da cortesã que vira uma «lenda viva» circense.
Há uma notável crítica ao sensacionalismo da imprensa e de sociedades que estão sempre ávidas por transformar pessoas em ícones, polemizar em cima de suas imagens, para depois descartar ou reutilizar de outras maneiras, gerando novos lucros. Acaba sendo uma história sobre tantas trajetórias que conhecemos de ascensão e decadência no meio social e artístico, além se ser, obviamente, sobre a sociedade e suas hipocrisias.
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Luís André Bezerra é doutor em Letras pela UFPB, professor substituto do Curso de Letras da URCA e integrante da equipe do blog O Berro.
Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 17, de 09 de abril de 2014), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.
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