por Amador Ribeiro Neto
A quadra é um modo fixo de poema. Embora simples na forma e na abordagem de temas triviais, não é uma poesia que todos consigam exercer a contento. Quem pensa que o simples é fácil já se engana na premissa principal.
Fernando Pessoa escreveu suas célebres “Quadras ao gosto popular”. Manuel Bandeira valeu-se da quadra em vários poemas onomásticos. Ambos saíram-se muito bem, quer pelo exercício de uma linguagem aparentemente despretensiosa, quer pela engenhosidade ao captar o poético em versos coloquiais nada previsíveis.
Ao lermos as quadras de Fabrício Corsaletti, garante-nos Alcino Leite Neto: “Embriagado de realidade, o poeta-cronista flana por aí sem amarras, misturando ao léu objetividade e lirismo, imaginação e notícia, testemunho e confidência, sublime e nonsense”. E completa: “Uma São Paulo surpreendente emerge das quadras”. Alcino Leite Neto mente. Não se comprova uma palavra do que ele observa. Embriagado está Alcino Leite Neto. Ou age de má fé com o leitor.
Ao abrir-se Quadras paulistanas o leitor depara-se com: “na Liberdade entendi / (no auge da embriaguez) /não há nada mais bonito / do que um bebê japonês”. Somente um reles poeta é capaz de produzir imagem tão torpe. O leitor sente-se traído ao constatar que há uma construção forjada das rimas. E que se quer engraçadinha, quando na verdade peca pela constatação tola e constrangedora de um eu-lírico falsamente fora do prumo.
Mais adiante, a pasmaceira continua em “ ‘VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO’ / diz o aviso, ‘SORRIA’ / eu bizarramente sinto / uma ponta de alegria”. O leitor tem mesmo de submeter-se a este olhar babaca do eu-lírico? Fabrício Corsaletti crê que esta é uma observação poética sobre o trivial da vida? Poesia é inventividade no trabalho com a linguagem. Não é anotação feita a esmo. Isto não cola.
Vejamos este, que na certa o poeta imagina ser um chiste de primeira linha: “morrer talvez me agradasse / me sinto estranho e sozinho / mas, morto, como comer / a bisteca do Sujinho?”. Poesia e realidade no mesmo saco de tonterías. Não dá.
Mas Fabrício Corsaletti persiste: “cearense é cearense / carioca é carioca / gaúcho sempre é gaúcho / paulistano vem de fora”. Jogo mal sucedido de sons e imagens. Trocadilho barato com o paulistano e constatação desprezível com quem é cearense, carioca, gaúcho. Nada de poético. Nada de crônica paulistana. Que diabo é isto então?
Cego Aderaldo (1878-1967) é poeta popular cearense. Escreveu este “quadrão”, que é a quadra duplicada no número de versos: “Eu canto o quadro quadrado, / Quadrado bem quadrejado, / Meu quadro é quadriculado / Por causa da quadração, / Porque minhas quadras são / De maneira bem quadrada. / Por isso meu verso enquadra / Quadrado, quadro, quadrão”. Jogos de som e sentido num feliz entrelaçamento de neologismos e termos coloquiais. Avant la lettre, um “carão” merecido em Fabrício Corsaletti.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 29 de agosto de 2014, p. 7.
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