por Amador Ribeiro Neto
A poesia de Ilhéu é a expressão do biografismo geográfico, intelectual e espiritual de Edson Cruz. A memória da vida familiar no interior baiano, bem como as referências literárias e as do pensamento oriental são o fundo de cena de sua poesia.
Ele abre o livro com um poema metalinguístico desde o título, “Epígrafe”: “Um ilhéu / fazendo a travessia. / Acima dele o céu. / Abaixo, a maresia. / Entre os fios de seu enleio / a vida fugidia”. Esta sextilha é emblemática do volume.
O tempo todo o eu lírico oscila entre a terra deixada pra trás e a nova vida na nova cidade. Cujos índices apontam para uma metrópole. Deste desconforto e desta adaptação nascem a angústia e a receptividade. O eu sabe-se entre dois grandes infinitos: o céu e o mar. A memória e a realidade presente.
Mais: sabe que tece a vida fugidia. Daí a necessidade de vivenciar plenamente o aqui e agora. Cito “Zoom”: “Carpe diem. / A vida é / curta. // Carpas riem. / O azul do dia / zune. // O céu refletido / nas águas. / Lume”. O poeta vai fundo. Lume é fogo. É luz e clarão. Mas é também perspicácia, sabedoria, doutrina.
Além disto ele torna camaleônico o vocábulo “lume”: ora substantivo, ora verbo. Tal como a vida se dá: fugidia, concreta, dissimulada, sagaz. A linguagem cumprindo sua maior função: a poética. Ao pé da letra. Ao pé do poema.
Há versos de grande plasticidade: “As crianças equilibram borboletas / e planetas”. E estes: “Somos rascunhos esquecidos / dos hiperbóreos”.
Os haicais da série “Bonsais” são igualmente bem realizados. Aqui a condensação das ideias e imagens, associada a uma admirável musicalidade minimalista, produz flores de lótus como: “Sabiá trinando. / Parece que a vida toda / carmim se aveluda”. A sequência de vocábulos com a tônica “i”, distribuída uma em cada verso, ecoa ao longo do poema o gorjear do sabiá.
Mas nem sempre é assim. Edson Cruz derrapa quando relaxa. Quando vale-se do coloquial. E não consegue ir além do prosaico. Como em: “Meu currículo não Lates / mas morde”. Ou: “cada criança que nasce // é uma aposta de que ainda podemos vir a ser / humanos”. Se versos assim não mantêm o grau de excelência que o poeta demonstra em outros poemas, por que constam do livro?
Na mesma tecla: como entender a inclusão do poema “Rubrica”? Cito-o: “Se a Florbela / não Espanca, / a poesia / não encanta. // Todo poeta precisa ser / espancado”. Isto nos remete à lamentável produção dos poetas neomarginais. Mas Edson Cruz não é um deles. Ele conhece poesia. Sabe fazê-la. Pena que relaxe em Ilhéu.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 08 de agosto de 2014, p. 7.
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