por Amador Ribeiro Neto
Vozes exige alta concentração do leitor. Seu universo poético, ainda que visite variados temas e circunstâncias histórico-estéticas, conflui para uma linguagem elaborada e densa. O difícil, tão caro a Paul Valéry, parece ser um de seus temas dominantes.
Difícil na estrutura sintática muito bem elaborada. Difícil na composição de imagens inefáveis e inacabadas. Difícil na apreensão do que diz, já que a elipse é uma de suas figuras preferidas.
No entanto, não nos iludamos: este difícil tem um alto poder de sedução. Lê-la é ter o prazer de desvendar o desconhecido. De revisitar o déjà vu. De estabelecer relações com a paródia. De reativar os laços da intra e intertextualidade.
O universo de sua poesia é a morada de uma polifonia que encanta. E por isto mesmo e pede reiteradas leituras multiprazerosas.
Nada em Ana Luísa Amaral beira o prosaico. O coloquial vem revestido de uma sintaxe e semântica que, embora devam ser correntes entre os lusitanos, soam cultos e elaborados para nós brasileiros. Melhor dizer: há finesse em sua escrita.
Outra tônica de sua poesia é a presença marcante de uma musicalidade que soa por vezes tonal, por vezes atonal. Este contrabalanço melódico imprime aos poemas uma dinâmica que reverbera na construção das imagens. O ritmo hipnótico dos versos vem acompanhado por sequências cinematográficas de imagens.
O movimento, o contramovimento. As cenas. O fundo das cenas. Tudo converge para a construção de uma poesia que se dá e pede a cumplicidade do leitor. Não por menos, vários de seus poemas terminam por um travessão, o sinal que é a rubrica para o diálogo. Inconclusos, os versos têm continuidade em outros poemas.
Desta forma o livro tece-se como requintada renda renascença. Com linhas pós-modernas. Que incorporam a falha como um elemento inconsútil do texto. E aí reside uma das grandes marcas de Ana Luísa Amaral: compor com a rarefação de imagens, ideias e melodia.
Cito versos de “Quase soneto e de amor!”: “Caminhas como vírgula encostada a página, / não como folha ou haste exclamativa”. “aquele que se inclina no teu porte lento / e eu desejava em plena exatidão”. “e os pés tocassem raso o que era ali no céu. / Mas falamos de página, não falamos de corpo / porque senão falava dos teus olhos, // e punha mais dois versos, fá-los-ia rimar. / Diria <<São perfeitos os teus olhos, / Porque voam – >>”.
Compor o poema dentro da brecha, no espaço do vácuo. Muitas vezes, no limite do nonsense. Mas, sempre, com horror vacui. Porque sua poesia um pé na tradição e outro na contemporaneidade. Isto Ana Luísa Amaral faz com a maestria de poucos e raros.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 22 de agosto de 2014, p. 9.
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