quinta-feira, 5 de junho de 2014

Poesia encenada



por Amador Ribeiro Neto

O Festival Poesia Encenada, do SESC João Pessoa, traz de volta à poesia uma de suas mais importantes funções: ser arte da palavra oral. No início, tanto na Grécia Antiga, como na Provença, ela era palavra e música. Indissociáveis. Com o surgimento da imprensa, fixou-se no papel. E passou a ser lida e “ouvida” com os olhos. Coisas do mundo impresso.

Claro que ela perdeu chão. Ficou manca. A tal ponto que T.S. Eliot brada que o poeta que não fala a língua do seu povo está condenado ao ostracismo. E Maiakóvski foi direto ao ponto: “o povo é o inventa-línguas”.

Pois o Festival não somente resgata o lado oral da poesia como, ao incentivar a encenação, incorpora-lhe a música, a mímica, a coreografia, a cenografia, a iluminação, etc. e etc. Poesia em cena, de fato.

Ter participado como jurado foi-me uma honra e uma experiência e tanto. Constatar que a nova geração está ligada na poesia, bem como nas linguagens afins, é um alento. O que vi foi uma moçada em busca de uma dicção própria, dialogando com a poesia modernista, o rock brasileiro, e até com experimentalismos poético-teatrais dos dias de hoje. Sem deixar de lado a rica poesia popular. Eis um dos muitos pontos positivos deste Festival.

O prêmio de melhor poema coube a Ramón Benício com as quadras e as sextilhas, predominantemente em redondilha maior, do sublime e muito bem humorado “Tancredo trava-língua”. O poeta foi feliz ao intercalar jogos sonoros com semânticos.

O quinto lugar coube a Juan Barto, excelente ator, também autor de um poema de grande expressividade poética e cênica: “Segunda-feira”. O quarto coube a “Isso não é um poema”, de Linaldo Guedes, poeta que vem presenteando-nos com uma bela poesia, desde Metáforas para um duelo no sertão. Aqui poema e intérprete formaram um par perfeito. Thardelly Lima, o intérprete, juntamente com Robert Sodré, foram os dois atores de maior expressividade do Festival. Com eles a poesia não era somente encenada: era mostrada sob o viés crítico de quem interpreta indo ao fundo do poema. Mergulhando em suas entranhas. Dizendo-o por dentro. Enfim: dois atores pra valer.

O terceiro lugar coube a “Poema do desencanto”, de Jairo Cézar, com o Grupo Muladhara. Jairo, conhecido pela poesia infantojuvenil, tem se destacado em novas modalidades. Seu poema propõe um outro olhar sobre o mundo, através das borboletas. Interessante.  O segundo lugar ficou com “Margarida, a flor contra o fuzil”, de Astier Basílio. O poema, deslocado da peça teatral de que faz parte, soou como panfletário. A interpretação, da ótima Soia Lira, deixou muito a desejar, faltando-lhe direção de ator.

O primeiro lugar ficou com “Soneto para um lírio”, de Helena Paz, juntamente com o prêmio de melhor intérprete para Glaydson Gonçalves. A poeta teve outro poema, que não se classificou entre os cinco: o excelente “Tropicália XXI”, magistral e hipnoticamente encenado pelo Grupo Graxa. Este, a meu ver, deveria ser o premiado. Lamento também a não classificação de “Anti-poema”, de Gustavo Limeira. Poema de rimas internas raras e belas, encadeadas em imagens montadas num ritmo frenético. Tudo sob a forma de um soneto dissimulado. Coisa de poeta. Em bela apresentação de Suzy Lopes.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 30 de maio de 2014, p. 7.

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