quarta-feira, 18 de junho de 2014
Entrevista: Elvis Pinheiro fala sobre a exibição alternativa de filmes no Cariri
por Ythallo Rodrigues e Luís André Bezerra
fotos: Verônica Leite e Ravena Monte
Quando se pensa em cinema, atualmente é comum ter a imagem das salas dos Shopping Centers. No Cariri, entretanto, não se pode ignorar o trabalho alternativo de projeção de filmes realizado por Elvis Pinheiro. Desde 2003 ele organiza sessões (sempre gratuitas e seguidas de debates relacionados aos filmes) em algumas cidades da região, com a média de cinco filmes exibidos por semana.
Elvis costuma ter "folga" (de exibição dos filmes) apenas nas terças e domingos, comumente seguindo esta programação semanal: na segunda tem o Cinemarana do SESC Crato; na quarta é a vez do Cinematógrapho do SESC Juazeiro; na quinta tem o Cine Arte Leão (no Campus Saúde da Faculdade Leão Sampaio); sábado com o Cine Café do CCBNB Cariri; e esse último projeto agora também virou Cine Café Volante, alternando as sextas-feiras nas cidades de Nova Olinda e Brejo Santo. E não podemos esquecer, obviamente, da Mostra 21, grande evento realizado anualmente.
Elvis Pinheiro é irmão do poeta, cantor e compositor Ermano Morais, e mostrando que também segue essa polivalência, suas atividades ainda incluem organizar o Lume - Ciclo de Leituras, que se reúne às terças no SESC Crato, além da coordenação da Revista e Grupo de Estudos Sétima de Cinema (com reuniões nas tardes de quarta-feira, no SESC Juazeiro) e conseguir tempo para trabalhar como professor.
Mas, diante de tantas tarefas, era imprescindível fazer um recorte temático. E logo abaixo você confere uma entrevista com Elvis Pinheiro sobre o seu trabalho como exibidor de filmes e demais atividades relacionadas ao cinema. Boa leitura!
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O BERRO - Começando com um clichê, mas que acaba servindo pra situar o leitor no início da conversa: como começou sua relação com o cinema e, mais especificamente, com a ideia de espalhar sessões de filmes (gratuitas) em diversas salas no Cariri?
ELVIS PINHEIRO - Minha relação com o cinema começou muito cedo e foi via televisão. Sempre me fascinaram os seriados e os filmes que passavam em todos os horários na TV. Eu fui um aficionado. As chamadas para assistir os filmes davam dois tons, o do star system e o do cinema de autor, porque aconteciam da seguinte forma: “De Francis Ford Coppola...”, “De Martin Scorcese...”, “Do mestre do suspense, Alfred Hitchcock...” ou se elencava o nome dos grandes astros que fariam parte do filme: “Com Vivien Leigh, Clark Gable e Olivia de Havilland...”, “Sher, Susan Sarandon, Michelle Pfeiffer e Jack Nicholson em...”. Esse tipo de chamada me dizia que um filme seria muito bom se fosse de determinado diretor e/ou possuísse tais atores no elenco. Isso foi formulando a mística. O horário em que os filmes passavam também funcionavam como “salas de cinema”. À tarde passavam filmes do Elvis Presley, do Jerry Lewis e, pela madrugada, clássicos e filmes de outros países que não fossem exatamente os EUA. Cheguei a ver filmes, ainda criança, num cinema de interior: vi filmes de Kung fu, tenho muita lembrança disso: o cheiro do cinema e da sensação de Evento, de estar num templo da Imagem. Assim o meu gosto foi se formando. Mas no final de 1995, quando comecei a frequentar o Cinema Veneza, no centro de Recife, construí a minha relação espacial com salas de cinema propriamente ditas, em especial, as salas que exibiam o chamado circuito de filmes de arte.
Essa pergunta é imensa e cobra um segundo parágrafo, porque logo emenda me perguntando como tive a ideia de me tornar exibidor. Bem, ainda criança, quando já tinha visto um filme e sabia que ele era bom, se ele passasse de novo na televisão, já tentava agendar que minha mãe visse comigo, adiantando que se tratava de um filme muito bacana por isso, isso e isso... Sempre gostei de compartilhar aquilo que eu gostava. O meu prazer se renovava. Teve uma hora em Recife que eu já tinha visto tanta coisa boa, que achava absurdo que mais gente não tivesse acesso àqueles filmes, àquelas obras. Eu queria e quero que mais gente goste, ame e se relacione em profundidade com o Cinema. Quando voltei pro Cariri, em dezembro de 2002, voltei com a intenção de encontrar algum lugar para exibir os filmes que eu gostava. No final de maio de 2003 aconteceu a primeira sessão, quando exibi Pulp Fiction, e de lá pra cá não parei mais de compartilhar filmes na região.
Você está à frente de sessões no Cariri há 11 anos, exibindo e debatendo filmes na região. Analisando esse período, o que mais chama a atenção quando você pensa no público caririense de cinema? É possível traçar um paralelo entre o início do seu trabalho (as dificuldades e a aceitação) e como você hoje observa as mesmas questões, 11 anos depois?
Outra pergunta quilométrica! (risos) Bom, eu imaginava no início que a sessão seria para os amigos que eu já possuía e que faziam Teatro ou frequentavam um grupo de leitura da Biblioteca. Pensava que os artistas iriam divulgar e movimentar as sessões e que todo mundo que gostava de cinema que eu já conhecia iria se aproximar para juntar forças, para que a coisa não parasse. Nem amigos, nem gente do teatro, nem as pessoas mais conhecedoras de cinema se aproximaram de mim ou da sala de projeção do que se chamou na época de Cineclube Paradiso. De cara, na primeira mostra eu reuni novos cinéfilos e pessoas que começaram a frequentar a sala do Cineclube Paradiso, mas essas pessoas não eram os Cult, ou as pessoas “do meio”. Eram estudantes secundaristas, era gente do comércio, era dona de casa, costureira, era gente que ficava sabendo da sessão e que se viciava e não parava mais de ir, mas que nem me conheciam antes das sessões e nem eu costumava ver a maioria delas em nenhum lugar diferente da sala de exibição. Uma amiga fotógrafa e que gosta muito de cinema e que eu pedi na época que registrasse as primeiras sessões nunca tirou uma única foto de nenhuma sessão realizada e só apareceu na sessão de número 204, quando eu já estava exibindo filmes na cidade do Crato, em 2005. Muito cedo, então, eu descobri que público de cinema é um público único, heterogêneo, que não se enquadra em perfis estanques. Até hoje, quando escuto piadas de que frequentar o Cine Café é moda de “Cult bacaninha caririense”, eu fico muito tranquilo de ter uma sessão que coincida com um evento de música alternativa ou uma peça badalada, porque a minha sessão continua cheia, com gente sentada no chão de pessoas que aqueles que acusam o Cine Café de ser um lugar para determinado público, eles não conhecem, nem nunca viram aquelas pessoas. Não digo, claro, que não seja frequentado por pessoas da cena caririense, principalmente os mais jovens, mas eles não são, definitivamente, a maioria.
O que mudou então? Hoje eu sei que construí um nome, que as pessoas relacionam Cinema com Elvis Pinheiro. As instituições acreditam e aprovam o meu trabalho e já existe uma boa quantidade de público que confia nas minhas escolhas. Mas o número de pessoas que nunca pisou nem nunca pisará num espaço que eu organizo é astronômico e os que fazem campanha contra é dez vezes maior.
Explica um pouco a Mostra 21 (que ocorre anualmente e teve a última edição em janeiro deste ano). O que diferencia as exibições da Mostra 21 das outras sessões que você apresenta semanalmente no Cariri?
Basicamente, a quantidade de dinheiro envolvida. É um orçamento maior para um evento onde compramos direitos de filmes. É quando eu tenho maior liberdade para a escolha dos títulos. A publicidade é maior e isso acaba gerando um público muito abrangente. É como se fosse uma grande rede de pesca. Só que com filtro. Depois de uma sessão que juntou 130 pessoas, eu consigo retirar três pessoas que se tornarão frequentadoras assíduas das salas de projeção durante o ano. A cada Mostra 21, que reúne um atendimento de mais de mais de duas mil pessoas, eu fico com 15 novos frequentadores assíduos das sessões semanais. E isso pode parecer pouco, mas é um número muito importante e relevante.
Qual a relação que você pontuaria entre os eixos temáticos de todas as Mostras 21? Pensando ano a ano, desde a primeira, existiria alguma conexão entre essas temáticas, pensando nos filmes exibidos?
Sim, existe, claro. As primeiras mostras alertavam para a delícia de ver filme de arte e de que como era importante ver cinema. Alertava sobre o Olhar que se expandia, que se transformava. Depois, na retomada, comecei a chamar as pessoas para situações comportamentais, para que as pessoas se vissem: buscasse se concentrar, descobrissem que a convivência é algo difícil. E nesta última que respiramos Política e que não podemos fugir disso.
Sobre cineclubismo: qual a relação que você estabelece entre as sessões que você realiza na salas do Cariri e o movimento cineclubista do Brasil?
Só haverá cineclubismo se houver amantes do cinema. O meu trabalho é o de uma Cinemateca e não de um Cineclube. Depois de mais dez anos exibindo filmes, montando grupo de estudos, criando revista e a cidade possuindo novamente salas de cinema comercial, agora sim, estamos cada vez mais próximos de uma explosão de cineclubes. Eu sei que formei cinéfilos aqui no Cariri e que muitos deles, a maioria, não precisa mais de mim pra nada. Então essas pessoas devem se reunir e montar pequenos clubes para projetar os filmes que lhes interessem e discutir e pensar sobre eles.
Sobre o cinema "mais comercial", que voltou a existir no Cariri nos últimos dias, depois de anos: qual o comparativo entre os filmes que você exibe e os filmes que são exibidos nos cinemas "de shopping"? Haveria alguma relação entre os dois modos de exibição?
O cinema por estar num shopping vai considerar o filme que exibe um produto com etiqueta e prazo de validade. A pessoa entra no cinema como se entrasse na praça de alimentação e consome o filme com a mesma desimportância com que come um sanduíche, toma um sorvete, bebe um refrigerante e exige a mesma qualidade de satisfação que exige de lojas de roupa ou de comida. O problema, portanto, não é o tipo de filme exibido, mas a relação que o público necessariamente consumidor trava com a sala de exibição. Aquela sala é proibida de passar filmes que desagradem ao gosto das famílias, das crianças, dos adolescentes, dos casais de namorados heterossexuais, dos idosos. Ela não vai desagradar a clientela. O filme ruim será sempre o filme tido como “lento”, “difícil”, “chato”, “polêmico”, “sujo”. É maravilhoso que exista esse cinema porque as cadeiras são muito confortáveis, o som e a imagem são excelentes e porque existem filmes muito bons que merecem todo esse aparato para serem vistos. As salas que eu estou à frente não podem competir. Vou continuar mandando as pessoas desligarem o celular, vou servir de bedel, pedindo silêncio e vou continuar exibindo filmes independente que a maioria aprove ou não aquele filme. Precisamos de salas de cinema para que todas as imagens estejam disponíveis para o público. Eu adoro que a sala do shopping esteja funcionando porque aqueles filmes estavam sem espaço de exibição e considerava isso uma injustiça.
Para encerrar, fala um pouco sobre a Revista e o Grupo de Estudos (ambos chamados de Sétima), que você criou e coordena. Certamente são projetos que fazem parte de uma ideia mais ampla que você tem sobre a cultura cinematográfica. Explica a importância de tais trabalhos e de onde vem o impulso para tocar cada projeto desse.
Eu acredito que não podemos, mesmo, pôr o carro na frente dos bois. Primeiro eu precisava de tempo para perceber que já existia muita gente a fim de ver filmes diferentes, gostando cada vez mais intensamente de cinema para ousar pensar em criar um grupo de estudos. Em 16 de maio de 2012 este grupo podia ser criado. Em 11 de setembro de 2013 podíamos começar a publicar uma revista. Não tenho pressa. Acho que começamos lendo O Que é Cinema, da coleção Primeiros Passos e teve gente que frequentava o grupo naquele momento e sugeria que começássemos por Gilles Deleuze, A Imagem-Tempo. Nunca concordei em assustar as pessoas, tentando jogar na cara delas o que elas não conhecem. Eu não conheço nada, eu não li nada ainda. Vamos começar juntos, ler juntos do início, levantar juntos as primeiras e essenciais questões. A Revista Sétima tem crítica impressionista, tem texto que é apenas a descrição do enredo do filme, tem opinião pura e simples. E este exercício é importantíssimo, antes de exercitarmos uma crítica mais fundamentada em bases teóricas X ou Y. O que eu acredito é que estudar cinema, gostar de cinema e escrever sobre cinema está ao alcance de todos os mortais. Isso não é tarefa de poucos e especiais indivíduos: está aberto para pessoas que estejam ou não na universidade, homens, mulheres, adolescentes, não importa a raça, a orientação sexual, a condição socioeconômica. O Grupo de Estudos e a Revista são dois pontos altos do meu trabalho, mas eles são construções coletivas e que estão sempre se transformando naquilo que as pessoas envolvidas, cada uma dentro do seu tempo, de acordo com a sua dedicação particular está conseguindo fazer.
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Para conferir semanalmente a programação dos filmes exibidos por Elvis Pinheiro no Cariri, acesse o Guia Cultural O Berro deste blog. E para ler os textos da Sétima - Revista de Cinema, curta a fan page no Facebook, clicando aqui.
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