por Amador Ribeiro Neto
Passados 35 anos, Nicolas lança Meio seio (Rio, editora Língua Geral). Um livro linda e eroticamente ilustrado por Evandro Salles. Seu traço fino, delicado, sutil e sedutor imprimem uma qualidade ao volume.
O livro integra a Coleção Língua Real que se propõe a trazer “aos leitores brasileiros alguma da melhor poesia que se escreveu, e se escreve em português”. De “Lisboa, Luanda, Dili ou Recife”.
Vou falar do que li: o português brasileiro do cuiabano-brasiliense Behr. Tantas décadas depois e ele continua no mesmo ramerrão do fácil-puxa-fácil, trocadilho por trocadilho, humor previsível.
Não dá. O livro propõe-se como poesia erótica. Proposta, repito, que o desenhista levou tão a sério, que transcende o campo da poesia apresentada. Há sexo à mancheia no volume. E um toque de romantismo anacrônico também, é claro. Minha sugestão, ao terminar a leitura de Meio seio é que ele se resuma a uma página. A que conteria o poema que abre o livro. Título do poema: “muito sexo”. Versos integrais do poema: “muito sexo / pouco texto”.
Consideremos o neorromantismo, com ar de suposto blasé, de “eu te amo”: “e daqui / pra frente/ tudo será / decepção”. Sinceramente: isto é poesia? (Respostas com base na estética, por favor).
A insistência nos trocadilhos, como se eles fossem garantia de boa poesia, leva a coisas como: “você / não sabe / o que é / voyeur // imagine”. Não dá pra imaginar nada com este cerceamento do imaginário poético.
Lembram-se daquela canção do Caetano que a certa altura diz: “O quereres estares sempre a fim / Do que em mim é de mim tão desigual / Faz-me querer-te bem, querer-te mal / Bem a ti, mal ao quereres assim”. Pois agora leiam isto: “o seu / não / me excita / mais / que o seu / sim // (mentira)”. Precisa-se dizer algo mais? Caetano é poeta. Behr, brinca de.
Todavia, vejamos: em certo momento pontua: “o poema bom / o poema ruim”. Vamos atrás do poema bom. Há. Claro. Ninguém consegue escrever um livro para uma editora/coleção que se propõe a divulgar o que há de melhor em poesia de nossa língua sem ao menos um ou dois bons poemas. Há. Cito dois, integralmente: “enfim / era preciso saber / quanto cimento / será gasto / numa ponte / por onde / ninguém passará / de mãos dadas”.
Outro. O que encerra o livro: “benzinho / benzina / não”.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 11 de abril de 2014, p. 7.
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