terça-feira, 29 de abril de 2014
'Minha mãe' (Ma mère), filme de Christophe Honoré
por Cícero Émerson do Nascimento Cardoso
Ma Mère (Minha mãe). Direção de Christophe Honoré (França, 2004, 110 minutos). Produção: Paulo Branco e Bernard-Henry Lévy. Elenco: Isabelle Huppert, Louis Garrel, Emma de Caunnes e Joana Preiss.
Contundente? Excedente e de forte teor apelativo? Imoral, indecente e pervertido? Muitos questionamentos (ou insatisfações pautadas em juízos de valor falso moralistas?) sobre a obra cinematográfica francesa, do diretor Christophe Honoré instiga. Ma Mère (Minha Mãe), baseado no livro de mesmo título de Georges Bataille, não parece agradar de fato a olhares mais ortodoxos.
No elenco, Isabelle Huppert e Louis Garrel dão vida, respectivamente, à Hélèna (a Mãe) e Pierre (o Filho). No enredo, Pierre vê na mãe um objeto afetivo para além da relação materna típica de uma família tradicional e, em decorrência disso, vive a angústia: como lidar, no auge dos seus 17 anos, com a sensação de culpa que traz em si por devotar à sua mãe, também eroticamente, um intenso amor?
Pierre fora criado pelos avós e, após a morte destes, reencontra a mãe num momento cruciante de sua vida. Incertezas, sensação de desamparo e carência afetiva o conduzem, talvez inconscientemente, a buscar nos pais o afeto que estes lhe negaram em sua infância. Em seguida ao seu retorno à casa dos pais (um filho pródigo às avessas?), seu pai também morre. Resta-lhe, portanto, na figura materna a possibilidade de reencontrar o afeto que lhe fora recusado outrora. Ante tantas perdas, a mãe passou a representar-lhe segurança e proteção – sua visão, no entanto, não correspondia à realidade: sua mãe era dada a condutas pouco arquetípicas do que se convencionou, socialmente, para uma mãe. As atitudes de Hélène eram antípodas a tudo o que Pierre idealizava – ela, no entanto, fez com que ele a acompanhasse em suas saídas noturnas para que, assim, se o filho a quisesse amar, a amasse por aquilo que ela de fato era. Hélène tenta desconstruir no filho a visão idealizada que ele construíra, como podemos perceber por suas palavras extremamente (não) maternais: «Sou uma porca, uma vaca, ninguém me respeita!»
As perguntas que iniciaram esta breve explanação ainda suscitam resposta. Sim, este filme é contundente, excedente em nudez e erotismo, mas é dotado também de uma pungência extrema por mostrar a fragilidade humana em sua mais deplorável manifestação: o corpo, que no auge de suas vicissitudes encontra na busca pela satisfação do prazer um norte, parece cair na mais deprimente sensação de desamparo e solidão.
Para fugirem da sensação de abandono as personagens desse filme parecem utilizar-se do corpo e suas possíveis experiências como um subterfúgio para superar uma existência fadada à deterioração moral, física e psicológica. Se o diretor, por meio desse filme, tenta mostrar um Complexo de Édipo mal resolvido, ou se tenta chocar pelo tema que aborda, o que podemos afirmar é que o enredo hiperboliza a necessidade que o corpo tem de encontrar conforto no prazer. Quando a mãe percebeu a ligação que tinha com o filho e tentou afastar-se, o que sugeriria uma necessidade de reprimir o que ela também sentia, parece-nos ter sido em vão o afastamento, pois as perversões do sexo, tão vivenciados pela mãe, foram fácil e intensamente assimiladas por Pierre.
Voyeurismo, sadomasoquismo, bissexualidade, homoafetividade feminina e masculina, incesto, nudez, conflito religioso, drogas, saídas noturnas, sensações de culpa, vida, morte, prazer, autodestruição psíquica e física, que culminam com o suicídio de Hélène, compõem a atmosfera de desconforto, mal-estar e náusea mais que recorrentes nessa obra provocadora.
Não é uma obra recomendável para quem busca no cinema: leveza, tradicionalismos familiares, beleza como a concebe o senso comum e um enredo que não discorra sobre personagens mórbidas e sob efeito de conflitos psicológicos expressivos. Quem resolver assistir à obra de Honoré deve, antes de tudo, despir-se de uma visão mais puritana e adentrar (nem precisa ser empaticamente!) não sem choro e ranger de dentes na atmosfera lúgubre em que Hélène e Pierre estão envoltos. Vale considerar que a canção «Happy together», na interpretação da banda The Turtles, canção que também é trilha sonora de pelo menos mais três filmes, foi uma boa escolha para compor a cena mais marcante e, ao mesmo tempo, mais deprimente de todo o enredo.
Christophe Honoré nasceu em 10 de abril de 1970, em Carhaix-Plouguer, e é diretor, roteirista e escritor. Diretor de filmes como Les chansons d’amour e Les bien-aimés, discorre sobre temáticas por vezes polêmicas e nada amistosas para quem não suporta mergulhos intensos na alma humana.
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Cícero Émerson do Nascimento Cardoso: Professor de Língua Portuguesa da Rede Pública de Ensino do Estado do Ceará; graduado em Letras pela Universidade Regional do Cariri; especialista em Língua Portuguesa, Literaturas Brasileira e Africanas de Língua Portuguesa; membro do Núcleo de Pesquisa em Estudos Linguísticos e Literários da Universidade Regional do Cariri – NETLLI. Autor do livro de contos Breve estudo sobre corações endurecidos (2011) e dos folhetos A Beata Luzia vai à guerra e A artesã do chapéu (ou pequena biografia de Maria Raquel). Teve poema selecionado para o evento literário realizado pelo CCBNB “Abril para Leitura” em 2012 e 2013, e desenvolve trabalhos acadêmicos vinculados à Literatura, Filosofia e Educação.
Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 09, de 06 de novembro de 2013), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.
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