por Amador Ribeiro Neto
Com Alberto Martins passamos a rever o já visto sob novos ângulos. Advém daí o encanto, a sedução, a magia de sua poesia. Em suas mãos, a palavra é uma matéria de que dispõe como quer. E ele a maneja com sofisticada elaboração. Por isso somos transpostos para mundos de epifanias e alumbramentos.
A insignificância da vida ganha uma dimensão maior ao ser revelada, não como extraordinária, mas na pequenez que guarda em si. Livre. Inteira. Desprovida de meneios, trejeitos, ardis. E a sedução advém de duas coisas: o modo como o poeta opera seu olhar, e o modo como encaminha o olhar do leitor.
Maravilha seria a palavra para designar sua poesia, não estivesse este termo contaminado por uma semântica tão ampla que quase tudo absorve em seu leque de significados. Mas o maravilhamento é a sensação que invade o leitor de Alberto Martins. Porque ele nada quer. Ele nada busca. Ele não tem ambição. Ele apenas toma a palavra como substância viva e ativa. E não se dobra à sua força nem à sua imensidão. Antes: detém-na no ponto exato em que a captura é feita enquanto posse e desvelamento heideggerianos.
A paisagem – tema do livro Cais (Editora 34, São Paulo) – ganha a cena como revelação do que é. E ganha força na antevisão do que pode vir a ser. Momento presente e presentificação do porvir. Nada em seu livro é porventura. Tudo é pertinente. Tudo tem finalidade.
Poesia e finalidade? Esta equação tem propósito? Sim, se entendemos a finalidade como a interação mútua entre palavra e sua expressão. E isto, a que os teóricos chamam de isomorfismo, Alberto Martins faz muito bem. Faz tocantemente.
Tomemos um poema escolhido a esmo: “Ponta a Jureia”: “De um lado / a pedra – de outro / o martelo do mar. / Como Anchieta / na obscura areia / quem sabe dizer / de que lado o deus está? / Talvez se encontre apenas / no desejo de um pelo outro / na ressaca que arrasta / margens profundas fossas de lodo / onde um lobo-marinho / coberto de óleo / finalmente exausto / dá na terra. / E tudo recomeça: / vice-versa”.
O movimento das águas. A descrição parcimoniosa da praia da Jureia, no litoral sul de S. Paulo. A onipresença de Anchieta e a dúvida universal. Um toque filosófico sem comprometer a poesia. A descrição exata sem ser chata. O abismo escuro ressoando no som fechado na vogal “o”: “fossas de lodo / onde um lobo-marinho / coberto de óleo”.
A beleza da metáfora em: “De um lado a pedra – de outro / o martelo do mar”. O som aberto da vogal “a” reverberando o mar que, por sua vez, reverbera, sutil, dentro de MARtelo. Que pode ser lido como mar TÊ-LO. Afinal, o poeta toma posse da palavra e nela instaura seu reinado. Ele é seu dono. Nós, seus privilegiados leitores. Ao fim, a volta ao início, numa “retombée” à la Severo Sarduy. O eterno retorno à la Nietzsche.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 18 de abril de 2014, p. 7.
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