sábado, 12 de abril de 2014

Orlando na permanência do olhar



por Elvis Pinheiro

Falar de alguém é particularizar e, de modo bem certo, minimizar esse alguém. O meu olhar é apenas um e dos menos ricos sobre uma figura tão complexa, tão rica, tão cheia de nuances. Publico o meu depoimento entre centenas de outros depoimentos que poderiam, tranquilamente, ser publicados. O olhar da família, o olhar dos companheiros de trabalho, o olhar dos amigos de Partido, dos amigos das causas sociais, dos amigos da luta contra a Homofobia, dos amigos da intervenção artística, dos amigos do Cinema, dos amigos da Literatura, dos amigos da Música, dos amigos da diversão e da diversidade, do amigo mais íntimo, mais próximo e mais amoroso. Tantos são os olhares e todos eles juntos não abarcam o todo que é, foi e está presente, Orlando Pereira.

Foi em 1996 que travei contato com ele. Participamos juntos e ativamente durante alguns meses do Círculo de Leitura do SESC Juazeiro. Se eu lhe apresentei Rubem Fonseca, não sei. Mas foi ele quem me apresentou Guimarães Rosa, por quem estava completamente envolvido. Eu, muito novo e tomado pela literatura urbana do primeiro, não conseguia me acertar com o universalismo regionalista e transcendental e mágico do segundo. Mas se eu não tivesse tido esse primeiro contato, não teria aproveitado as delícias todas do grande Rosa. Obrigado, Orlando.

Orlando um passo a frente, apresentando a tanta gente novos mundos e possibilidades. Quanta gente bacana ele inspirou, quanta gente jovem ele possibilitou com sua capacidade de diálogo, a abertura para o enfrentamento com o sublime. Ele se ressignificava constantemente. Pessoa dada ao debate: sabia falar e sabia ouvir e sabia refletir sobre o que lhe diziam. Muito bom conhecer um pacifista tão aguerrido. Lutava pelas causas nas quais acreditava, sem perder a ternura, a doçura.

Durante um tempo foi responsável pelas exibições de filmes no SESC Juazeiro e foi com ele, numa sessão organizada por ele, que assisti Volver, de Pedro Almodóvar. Na segunda Mostra 21, pudemos exibir, com destaque entre os longas-metragens internacionais, o seu documentário de estreia, codirigido por Franklin Lacerda, Também Sou Teu Povo, marco inquestionável do cinema caririense, do cinema brasileiro.

Junto com o Bando produziu obras polêmicas e questionadoras que, de forma satírica, bem humorada, iconoclasta, despudorada, fizeram com que repensássemos nossos valores, nossos mitos, nossos heróis, nossos medos, nossa identidade.

Estava na rua levantando as bandeiras nas quais acreditava, capitaneando marchas, fossem as das vadias, pela causa das mulheres, fossem pela causa dos gays, lésbicas, travestis, bissexuais e transgêneros (e me perdoe, Orlando, se esqueci alguns), pelos professores, pelos trabalhadores. Orlando marchou e batalhou.

A Sétima, revista e grupo de cinema, o tem como membro honorário, visitante ilustre, que acompanhou algumas de nossas atividades e certamente seria um leitor e entusiasta de nossas páginas.

Meu último momento com ele foi exibindo um filme do surrealista, polemista, grandioso diretor Alejandro Jodorowsky, El Topo. Neste filme, um homem busca crescer, amadurecer, chegar ao topo do conhecimento e do aprendizado sobre a vida com outros homens e a sociedade. Um filme radical e profundo. Fico feliz de ter apresentado algo mágico, original e transcendental a ele, tal qual fez comigo, há tanto tempo atrás.
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Elvis Pinheiro é editor da Revista Sétima e professor. Desde 2003 é Mediador de Cinema no Cariri cearense.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 09, de 06 de novembro de 2013), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Primeira foto (detalhe): Jânio Tavares
Segunda foto (detalhe): Coletivo Café com Gelo

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