quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Lendo 'A Hora da Estrela'



[Explosão] Porque para ela escrever sobre A Hora da Estrela
era um estardalhaço de Felicidade.
PS: Para ler ouvindo «Danúbio Azul».


por Alana Morais

A Hora da Estrela, publicado no ano de 1977, é o último romance da obra da escritora Clarice Lispector lançado em vida. A narrativa da história se dá pela presença do personagem/narrador Rodrigo S. M. que, de forma desapiedada, nos conta a saga de Macabéa. Maca o quê? Béa. Assim se chama a datilógrafa, virgem, que gosta de coca-cola.

Atônita, mais paralisada do que quando assisti ao filme contando com as inúmeras vezes que o  revi, percebo que mais difícil do que escrever sobre o que não gostamos é escrever sobre o que amamos. Como toda paixão, o quente dela embaça meus olhos e mente, e as palavras me fogem por ora. Sou tão fascinada e apaixonada pela personagem Macabéa, da Clarice e da Suzana Amaral, que é preciso sair de mim para que possa tecer algumas considerações.

Maca (é assim que me refiro por achar afetuoso) é raquítica, opaca, feia, pobre e cheira mal. É «como cabelo na sopa, não dá vontade de comer». Órfã de pai e mãe, foi criada por uma tia. Após o falecimento da sua única parente, vai para São Paulo, onde consegue um trabalho como datilógrafa e passa a dividir um quarto de pensão com mais três moças. Nas horas de desocupação costuma ouvir a Rádio Relógio Federal, que ela tanto gosta de ouvir os pingos dos minutos tic-tac-tic-tac, indica as horas, como também passa conhecimentos. E é através desses saberes que ela usa de pretexto para dialogar com os demais personagens. Em um dos seus passeios, conhece Olímpio (José Dumont), que se torna seu namorado; Glória (Tamara Taxman), sua colega de trabalho, que depois de ficar com a consciência pesada por roubar o namorado de Macabéa, empresta dinheiro para que a amiga possa ir a uma cartomante (Fernanda Montenegro),  que diz ver nas cartas a chegada de sua felicidade, a sua hora de ser estrela.

O filme não tem a pretensão de ser uma adaptação fidedigna do livro, contudo, Suzana Amaral transfere para as telas o que considero ser o espírito da obra Clariciana, remeto-me à obra literária, pois confesso não conseguir distanciar-me da mesma, devido à relação de amor que tenho com a obra da escritora Clarice Lispector. 

Sobre a poética da diretora, o cenário escolhido para a trama é a cidade de São Paulo, diferente do livro que se passa na cidade do Rio de Janeiro. O personagem/narrador Rodrigo S. M. desaparece dando a Maca voz e elementos próprios  para contar sua história. No entanto, a perversidade está presente nas duas obras. Azulado, escuro, com cores frias e com forte presença de espelhos e da cor vermelha em momentos pontuais do filme.

A datilógrafa que dança em frente ao espelho ao som da valsa «Danúbio Azul» é vivida pela atriz Marcela Cartaxo. Antes dela, nunca consegui dar um rosto para Macabéa. Ela pra mim era mesmo assim: imagem borrada, como nas sequências de espelhos em que aparecem no filme e sua imagem então se mostra desfocada. As cores primárias que mais parecem irmãs trigêmeas por representarem a personagem principal tão lindamente estão presentes com grande significação e beleza. Clarice dizia que ela era amarela, por possuir uma fisionomia inexpressiva, o vermelho é aposta principal de Suzana Amaral para tirar, ou melhor, encontrar, ou ainda assim criar um momento de feminilidade, momentos que se dão quando a personagem demonstra uma pequena vaidade ao usar batom e esmalte de cor vermelha escarlate, ou quando segurando uma papoula vermelha, enfim, encontra o seu amor. Já o azul, friamente calculado nos dias opacos, toma o lugar do cinza e vira azul celeste.

O filme rendeu a Suzana Amaral diversos prêmios. A atriz Marcela Cartaxo recebeu o devido reconhecimento, que por sua magnífica atuação foi a primeira atriz brasileira a ganhar o Urso de Prata no Festival de Berlim. A obra cinematográfica, sem dúvida, merece ser apreciada.  E você, caro leitor, se o texto não ficou do seu agrado, «o senhor me desculpa!». Mas que o «Danúbio Azul» é lindo, é!
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Alana Morais: atriz, produtora cultural e assistente social (atua na área de habitação de interesse social). Integra o grupo de pesquisa GEMI (Gênero e Mídia). Como atriz além do teatro participou de dois vídeos-poemas: “Foradesordem” (2011) e “Busca Alguma” (2013), e desde então passou a ter como hobby fazer vídeo-poema (registrado apenas para arquivo pessoal).

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 05, de 09 de outubro de 2013), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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