sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014
A genial loucura de Rimbaud
por Amador Ribeiro Neto
Arthur Rimbaud (1854-1891) é um dos mais expressivos nomes da modernidade poética. Ao lado de Mallarmé, Baudelaire e Verlaine configura o quarteto revolucionário da nova era. Era da máquina. Da cidade. Da linguagem: "Belle Époque".
Morreu jovem: tinha 37 anos. E escreveu pouco. Poeta da contenção, do silêncio, dos mistérios e do escândalo (escândalo enquanto sinônimo de novidade literária), toda a sua produção envolve apenas 4 anos de atividade. Dos 16 aos 19 anos do poeta. Garoto prodígio.
Garoto enigma. Depois destes 4 anos, nada além e esparsas cartas e muitas viagens.
Por que exilar-se da poesia, da linguagem que ele soube tão bem fazer avançar com raro senso criador? Foi ele quem deu cores às vogais, lembram-se? Por que este pesado silêncio dos 20 aos 37 anos? Por que as incessantes viagens deste nômade que correu Europa, África, Ásia e foi dado várias vezes por morto quando ainda vivia e procurado por amigos e parentes quando já morto?
Quem é este "meteoro incandescido pela própria presença", segundo Mallarmé? Quem é este "místico em estado selvagem", nas palavras de Paul Claudel?
É a tais questões que Alain Borer busca respostas em Rimbaud na Abissínia, tradução de Antonio Carlos Viana. Um livro arrebatador. Como leitura de férias e feriados. Na rede ou na cadeira de balanço. Como leitura de gabinete sob a concentração rigorosa da disciplina intelectual. Em ambas as situações o livro sai-se muito bem. De fato, um livro sem fronteiras escrito por um cineasta que trama a palavra visualmente. Numa dança-moenda de ideias e imagens. Luz, câmera, ação, papel, palavra. Palavras.
Um livro bem cuidado. Das esclarecedoras notas de rodapé às imprescindíveis referências bibliográficas ao fim do volume – muitas delas discutindo autores citados –, à sensata divisão do texto em 13 capítulos rápidos e incisivos. Isso, sem esquecer as epígrafes: Mallarmé, Laforge, Lautréamont, Apollinaire, Nerval, Artaud, Hölderlin, Heráclito, Bob Dylan.
Só o estudo da relação das epígrafes com os respectivos capítulos constitui um outro estudo dentro do estudo mais abrangente: um livro dentro do livro. Velho prazer pra iniciados. Sedução certeira para todos.
Alain Borer é especialista em Rimbaud sobre quem filmou Le Voleur de Feu. Rimbaud na Abissínia é um relato da viagem do autor à Etiópia, passando por outros lugares onde o poeta viveu. Aliás, dizer "relato de viagem" é circunscrever o livro dentro dos constrangedores limites já codificados que a expressão encerra e que não se adequa em nada ao texto de Borer. O que o autor faz é, de fato, ler a "vidaobra" de Rimbaud trilhando seus caminhos geográficos e literários. Alais Borer se mistura aos habitantes locais, recompõe a história "esquecida" e leva consigo uma mala com a obra de Rimbaud mais alguns estudos publicados sobre o poeta.
A viagem começa quando se chega, diz o autor nas páginas inicias. E o leitor, ao fim do livro, não vai perder a chance de responder ao trocadilho: o livro começa quando termina. Ou recomeça. É a sedução do prazer de saber.
Como um "expert" em montagem cinematográfica, Borer atua sobre o texto retalhando-o num contínuo processo não linear que instiga a atenção do leitor pelo quê se diz e pelo modo como se diz. Prova evidente de que "Rimbaud não transcende apenas a poesia, ele deflagra o desejo de escrever".
Rimbaud na Abissínia é leitura obrigatória para os amantes da vida e da arte. Um livro sério e leve, rigoroso e agradável. Um livro em que Rimbaud aparece como foi: genial, irascível, louco, homossexual, comerciante, aventureiro. Acima de tudo: poeta e homem.
Mais de um livro? Bobagem. Agora é empreender nova viagem livro/noite adentro ao som de Cazuza: "Você nunca varou a Duvivier às cinco(...), nem [viu] Rimbaud pelas tantas, negociando escravas brancas". É isso aí.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.
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