por Lusmário Oliveira
A trajetória por um olhar intimista que percorre o personagem Titta é surpreendente. Não se trata de uma história com começo, meio e fim, como muitos estão acostumados, mas tem uma coleção completa de signos cinematográficos. O roteiro se «amarra» com segurança, criando nexos entre as cenas e dando a cada novo personagem uma significação única, que mesmo com pouco tempo nas telas está vivo, palpitante, verdadeiro.
A agregação de tudo isso é como se o onírico e o real estivessem sendo ligados pelas percepções do próprio personagem. É como se tudo não passasse de lembranças, mas, importa-se não como a reconstituição do que ocorreu em algum momento no passado, e sim, como a projeção do que ocorre hoje, na memória, na lembrança, no imaginário, no instante presente do realizador.
Não é preciso assistir ao filme mais de uma vez pra nos recordarmos dele, por assim dizer, o quanto nos identificamos com a forma de lembrar e com o modo como é narrada a história. Os personagens marcantes e singulares são importantes pra encabeçarem essas lembranças, tanto no filme como na nossa realidade. O narrador que aparece vez ou outra em meio a história é afetado por ela. Isso relaciona o modo de lembrar e o quanto a lembrança interfere a partir do que significou em particular para quem vivenciou.
Na Itália, em meio à ascensão do fascismo na década de 30, Fellini dá uma olhada na vida familiar, na religião, na educação e na política. É também uma junção de incontáveis lembranças, sonhos, opiniões, traumas, desejos, etc. O que importa nesse filme não é a luz do sol, mas a ilusão e o que representa essa luz do sol que pode ser criada em estúdio. Não um real nevoeiro, um real cair da neve, o mar, uma árvore, um transatlântico de verdade, mas os cenários, os efeitos mecânicos e os truques fotográficos capazes de criar uma ilusão de realidade.
Dentre o brilhantismo do enredo, cenas sublimes, um emaranhado perfeitamente amarrando suas representações, Amarcord também tem uma das mais belas trilhas sonoras. Ela nos leva a uma atmosfera única e é capaz de nos causar uma sensação de nostalgia perfeitamente ligada ao resto da obra. Então, Fellini, tanto da obra quanto ao vê-la pela primeira vez, Io me ricordo.
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Lusmário Oliveira é nada demais. Cinéfilo, estuda Psicologia, amante das demais artes.
Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 06, de 16 de outubro de 2013), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.
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