sexta-feira, 15 de maio de 2020

Daniel Batata e a música iraniana



por Antonio Lima Júnior

Conheci Batata no saudoso tempo do BatCaverna, onde a nata juazeirense se agrupava entre os esgotos e o calçadão. Naquela época eu ainda usava camisa do Super-Homem e Batata logo me botou o apelido de Super Homem Plus, referente à música do Mundo Livre S/A. Isso foi o pontapé para começar a explorar melhor as letras e as sonoridades, investigando com mais afinco essa música para entender a referência.

Batata me apresentou também uma das minhas músicas favoritas, “Proletariado”, do DJ Dolores, que comentei em texto anterior n’O Berro[1], além de Kraftwerk, banda que estes dias perdeu um de seus fundadores, Florian Schneider, enquanto escrevia estas palavras. Mas as noites de birita com meu amigo não me influenciaram somente no campo musical, foram também laboratórios para o jornalismo, como nas disciplinas do curso, em que eu insistia em colocar os bares como pauta nos programas, entrevistando Batata num programa de rádio, ou escrevendo minha primeira reportagem cultural, sobre a banda Algarobas, da qual Batata é componente.

Com as músicas “A Palavra” e “Constipação Psicosomática”, lançado pela Caninha Records no último 2 de maio, o EP Música Iraniana foi gravado na caverna do músico, em meio à pandemia do novo coronavírus, dialogando com os tempos de isolamento e de uma produção musical mais introspectiva. É possível ver as referências de Batata com clareza, bem como uma sonoridade que não destoa muito do que já tem sido produzido na Algarobas, tanto como sua improvisação poética, agora com um toque mais verdadeiramente solo.

Como um homem bomba, Batata joga sua música iraniana ao mundo, sem preocupações, pois todo músico, tal como um mártir terrorista, deve saber sua missão e cumpri-la, caso contrário nem deve tentar. Como uma verdadeira constipação, o trabalho do nosso iraniano, radicado no Cariri, resolve enfim se soltar, provando que as experimentações musicais podem superar barreiras psicossomáticas de uma indústria fonográfica que permanece limitada e tacanha, apesar do discurso “mundo livre” que é imposto a partir do advento da nada democrática internet.

Intrigado com a composição do EP em tempos pandêmicos, tive que ir no cerne, falar com o artista, que solicitamente me respondeu às perguntas a seguir:

Durante o lançamento do EP, você comentou nas redes sociais sobre “o desejo de não mais esperar a chance de ir pra um estúdio”. Como você enxerga a relação entre o fazer música e a indústria fonográfica?
Batata: Acho que a indústria manda na mídia, como sempre, assim elege quem é mais pop. Não deve ser muito meu caso por minhas escolhas, mas hoje vejo que a tecnologia aumentou a democratização. Infelizmente, todos não têm acesso nem à pouca tecnologia que tive, pra gravar suas coisas, mas com certeza muito mais gente tá podendo se expressar.

Você comentou na internet também que além desse EP existem outras músicas para lançar. Quais os planos para soltar novas músicas?
Batata: Como tenho que trabalhar pra viver, não posso prever, mas acho que em junho sai ao menos mais uma [música] e um clipe.

A gravação do EP foi toda artesanal e em casa, num período em que a sociedade está em isolamento social. Como você analisa a produção musical em tempos de quarentena?
Batata: No meu caso não tem tanto a ver com a quarentena: “Constipação...” é de 2017 e “A palavra” de 2019, mas não creio que essa situação seja fértil pra ninguém. No meu caso, dois dias de férias que tive me adiantaram, mas muita coisa veio sendo pronta aos pedaços de 2017 pra cá.

Fazer música autoral sempre foi difícil no Brasil, ainda mais no sertão, com ou sem pandemia. Sabendo que o mundo pode não ser mais o mesmo depois da quarentena, qual sua perspectiva?
Batata: Fazer não é difícil, o complexo é divulgar. Ninguém fala nisso, mas também tem de achar seu público, muitos ouvem e não gostam, é normal, mas os artistas independentes sempre se pegam na indústria e na mídia pra tirar de si essa responsabilidade. Cara, se tu gostar gostou, a fiz em casa, ah não tem público, ah não tá na novela... Chega de se enganar, tudo isso ajuda até música ruim, mas nem tanto [risos].

[1] http://oberronet.blogspot.com/2020/05/9-1-musicas-para-ouvir-no-primeiro-de.html


Escute as músicas do EP Música Iraniana, de Daniel Batata:

Constipação Psicosomática (Maçã do Amor):


A Palavra:

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Antonio Lima Júnior é jornalista formado pela Universidade Federal do Cariri (UFCA). Diretor da Associação Cearense de Imprensa (ACI), fã de cinema brasileiro e um marxista convicto e confesso.

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