sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Paraíso reprogramado: sobre EX_MACHINA



por Saulo Portela

“E disse o homem: façamos à máquina a nossa imagem, conforme nossa semelhança; e domine sobre os seres do mar, sobre as aves do céu, sobre toda a terra e sobre todo ser que se move sobre ela. E assim se fez.”

Não é de hoje que o cinema aborda a inteligência artificial e a supremacia da máquina em relação ao homem. Já em 1927, o filme Metropolis retratava o fascínio e a ambição do homem em criar um robô com feições humanas, porém com capacidades físicas e mentais bem superiores às do seu criador. Em 1968, o filme 2001: Uma Odisseia no Espaço mostra uma tripulação de uma nave espacial comandada por um computador chamado de Hal 9000, que ao se sentir ameaçada pelos humanos toma o total controle da situação e tenta dizimá-los. Em 1984, O Exterminado do Futuro nos apresenta um futuro caótico onde as máquinas tomaram o controle do planeta e buscam exterminar a raça humana. Um pouco mais à frente, em 1999, fomos apresentados ao filme Matrix, onde mais uma vez o destino do homem foi posto em risco pela tecnologia. Neste contexto, as máquinas criaram um mundo virtual para que os homens vivessem nele enquanto elas
dominam o mundo real.

Enfim, a temática já saturada há quase 100 anos, vem ganhando com o passar do tempo nova roupagem, e entre excelentes títulos e outros “meia-boca”, fui surpreendido pelo recente Ex Machina: Instinto Artificial, que inclusive, em 2016, ganhou Oscar de Melhores Efeitos Visuais.

No filme, Caleb (Domhnall Gleeson) ganha um concurso de programação e como prêmio tem a oportunidade de passar uma semana na isolada casa/laboratório de Natan Bateman (Oscar Isaac) onde, de um modo super secreto, descobre que deverá realizar testes com Ava, uma robô com inteligência artificial, interpretada pela bela e vencedora do Oscar 2016 de atriz coadjuvante em A Garota Dinamarquesa, Alicia Vikander.

Iniciados os testes, que na verdade não passam de conversas, as reações e respostas de Ava são avaliadas. O cenário luxuoso e paradisíaco do filme remete ao Jardim do Éden, a relação entre Caleb e Ava consequentemente nos levam a enxergá-los como Adão e Eva. Natan por sua vez, ora desempenha o papel do Criador, ora, em alguns momentos, o da serpente.

O fascínio de Caleb por Ava cresce à medida em que eles se relacionam. As formas dela se tornam mais femininas com o passar dos dias e suas respostas frente aos estímulos dados por Caleb são cada vez mais humanos. Como o teste deve durar apenas uma semana, a proximidade do fim do prazo leva o casal a fazer alguns planos e as relações entre seduzido e sedutora se estreitam, culminando no final avassalador.

O diretor Alex Garland conduz com maestria os 108 minutos da película, apresentando-nos o que seria um novo Gênesis, onde a história é reescrita, não diferente do que foi a original, apenas reeditada, criando um “combo” perigoso e encantador de mulher e máquina. Um filme que nos leva a refletir sobre as relações que temos com as novas tecnologias, e no modo como estas nos atraem, nos distanciam e nos tornam cada vez mais dependentes. Talvez a repaginada Eva demore a chegar ao mercado, mas enquanto isso, não substituamos o prazer de uma boa conversa olho a olho por curtidas e likes num mundo virtual, senão, posteriormente uma mágoa de caboclo sem fim recairá sobre nós.
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Saulo Portela, 34 anos, professor de matemática, apaixonado por cinema e principalmente pelo gênero horror.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 31, de maio de 2016), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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