segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Notas sobre monotonia e unilateralidade



por Camila Prado

Há ovelhas, lobos e cães de guarda - deste modo resume o mundo Sniper Americano, filme que concorreu ao Oscar de Melhor Filme e mais cinco prêmios, baseado na «história real» do maior atirador de elite da marinha americana. A cena de abertura do filme mostra «a lenda» em um dilema: atirar ou não em um menino de uns 12 anos que está com uma granada na mão possivelmente para atacar o exército americano. Engana-se quem acredita que tal dilema colocará em questão quem sejam as ovelhas, os lobos e os cães de guarda; menos ainda colocará em questão que a realidade possa ser assim compreendida. A perspectiva de toda a narrativa e da direção do filme é a do «herói» americano, forte, corajoso, capaz, bom, leal: cão de guarda. Os outros, os inimigos, são selvagens, desleais, torturadores, exploradores das crianças e mulheres: lobos. A trilha sonora, a fotografia, os diálogos e o roteiro fortalecem todos os estereótipos islanofóbicos e da cultura patriarcal, armamentícia e militar americana.

Em comparação a outros filmes de guerra, feitos pelos próprios americanos, este apresenta cenas leves, limpas e de pouca tensão psicológica. O maior drama do herói é não conseguir imediatamente voltar para a vida civil harmoniosa, ao lado de sua esposa e filhos. O conflito do macho-alfa é entre ser um cão-de-guarda da pátria ou apenas um cão-de-guarda de sua família. Nada mais há no filme. Não se discute o porquê das guerras, não se discute o medo da morte, não se discutem os princípios da cultura militar, nem do patriarcado. O filme é pura reprodução estetizada de uma visão simplista e violenta da realidade.

Cinquenta Tons de Cinza é o mesmo filme, ainda muito pior. Não está concorrendo a nada, que eu saiba, mas é sucesso de bilheteria em todo o mundo. A mulher é a ovelha. O homem está em conflito entre ser o lobo e o cão de guarda. Ele é forte, jovem, rico, bem-sucedido, «bom» (ainda que ritualisticamente perverso). O filme se ancora em tantos clichês que os personagens não se sustentam, nem no erotismo, supostamente arrebatador do público. A mulher é virgem e espera o homem certo. Ela não tem dinheiro, tem um fusca e estuda literatura inglesa (deuses!). Ele é o herói dos negócios (este outro campo de batalha em que o macho se constrói), tem um helicóptero, um avião, uma garagem cheia de carros. Mas sustenta a universidade, toca piano e faz bem às crianças da África (céus!).

Encontram-se e, a partir daí, ele a corteja, a presenteia, a persegue, a domina, a compra. Os termos da negociação da relação (e é rigorosamente uma negociação) são os seguintes - ela quer ser dele: sustentada, cuidada, controlada, mimada e desejada por ele; ele a quer: submissa, resignada aos seus termos, aos seus cuidados, aos seus desejos. Ele é um macho. Ela é uma fêmea. E o «conflito» do filme é a possibilidade do relacionamento «amoroso» (?) ser a dominação feita pela ovelha (a mulher) do lobo perverso que mora no cão-de-guarda bom (ambos o homem).

De novo, e uma vez mais, a estetização de um pseudo-conflito que é antes o sustentáculo de uma fantasia cultural: o estereótipo do que homens e mulheres deveriam ser. Que o filme seja especialmente sensual para alguns e algumas parece indicativo de quão imatura é nossa relação com sexo, poder e imagem. Não há no filme nenhuma discussão sobre corpo, sexo, prazer, poder... nada. Nenhuma nova imagem, nenhuma descoberta de beleza, nenhuma variação tonal. Monotonia, repetição: só sintoma.
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Camila Prado é professora e gosta de janelas.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 23, de agosto de 2015), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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